Breve História do Monismo

Imprimir

O universo é regido por um princípio único.

Pietro Ubaldi (A Grande Síntese)

Definimos o monismo, em seu aspecto filosófico mais abrangente, como o substrato ideológico que apregoa a existência de uma substância única, subordinada a princípios também unitários, na composição de tudo o que existe no universo. Em seu significado mais simples, monismo é a doutrina da unidade, cuja palavra advém do grego monás que designava, na filosofia pitagórica, “toda complexidade que se faz um todo coeso”. Ela se opõe ao dualismo que admite a existência de duas entidades independentes na criação – espírito e matéria – e ao pluralismo, o qual adota a diversidade de fundamentos e de substâncias para se explicar o universo. O dualismo é classicamente defendido por René Descartes e o pluralismo compõe o complexo pensamento científico moderno que, pela análise reducionista, fragmentou a realidade objetiva nas múltiplas e mais variadas expressões fenomênicas que, até o momento, se pôde produzir, muitas destituídas do mínimo senso crítico, por se fundamentar no vazio e no niilismo.

Assumindo-o como constructo norteador de sua obra literária, o monismo não é uma criação de Pietro Ubaldi, pois as ideias unicistas sempre ventilaram as concepções humanas e são encontradas em todas as épocas do desenvolvimento de nossa história. A milenar cultura chinesa do taoísmo já o apregoava em seus encantadores versos. Nas doutrinas hindus, o Vedanta Sutra já o anunciava ao ensinar que a essência bramânica, unitária, onisciente e perfeita, era a substância formadora das almas individuais e do universo. Seguindo o seu enunciado, a escola vaishnava, defendida por Ramanuja no século XII da era cristã, criou o termo visishtadvaita, com o exato significado de monismo, tal como o entendemos hoje. Curiosamente essa escola defendia que os elementos criados passaram a abrigar a imperfeição, causa da ignorância, sem explicar os motivos de tal contaminação da substância bramânica, mas que eles poderiam, através da devoção, refazer a comunhão perfeita com Brahma, sem perder a individualidade, preceito muito semelhante ao difundido pelo cristianismo.

Na filosofia grega, tanto a pré-socrática quanto a pós-clássica, o monismo já era uma aspiração dos principais pensadores, que buscavam compreender a diversidade de todas as coisas a partir de uma única causa primária. Interpretada às vezes como physis, a natureza formadora, ápeíron, a substância ilimitada, ou simplesmente o arqué, o princípio originário, todos procuravam representar o que seria essa substância fundamental, compondo o que os estudiosos da filosofia denominaram monismo corporalista­.

Recordemos que, para Tales, o arqué seria a água; para Heráclito, o fogo. Anaxímenes, contudo, o julgou ser o ar. Mas, prenunciando o pluralismo, Empédocles estabeleceu que a igualdade dos princípios (isonomia) teria se dividido em quatro raízes, o ar, o fogo, a água e a terra, de cujas misturas se formava a multiplicidade do universo, embalada pelas forças do amor (philia) e da rivalidade (neikos). A doutrina eleática, fundada por Xenófanes e defendida, sobretudo, por Parmênides, apregoava a unidade e a imobilidade como fonte do ser e do universo. Para Anaxágoras, fervoroso seguidor da doutrina eleática, uma substância incorpórea, denominada noûs, eterna e imutável, embora submetida à aparência dos movimentos de nascimento e morte, teria gerado tudo o que existe. E Demócrito, finalmente, firmou o monismo atomista como base da realidade, concebendo o estofo do universo formado por unidades simples, corpóreas, indivisíveis e descontínuas, os átomos. Infinitamente espalhados em meio a um espaço contínuo e vazio, estariam subjugados a determinismos puramente mecanicistas, antecipando, no século V a.C., o ateísmo moderno.

A Idade Média não conheceu outra forma de monismo a não ser a Trindade Santa, concebida por Santo Agostinho, através da qual o Uno se consubstanciava no Todo e a ela nos referiremos a seguir. No Renascimento, o mais expressivo pensamento monista que se conhece foi veementemente defendido por Giordano Bruno e na Era Moderna, sobretudo pelos filósofos Spinoza, Berkeley, Hume e Hegel. Destarte, o mais influente monista conhecido até os nossos dias, tendo em vista que Ubaldi ainda é ignorado, é considerado Baruch Spinoza, que viveu no século XVII, embora em sua época não se empregasse tal acepção. O termo monismo foi usado pela primeira vez no século XVIII pelo filósofo Christian Wolff. Entretanto, aqueles que, de fato, o popularizaram foram o biólogo Ernst Haeckel e o químico Wilhelm Ostwald no início do século XX.

Segundo a natureza da substância apregoada como fundamental, o monismo pode ser diferenciado em diversos modelos, como o ontológico, o panteísta, o metafísico, o religioso, o material, o lógico, o gnosiológico e alguns outros de interesse menor para o nosso estudo. Tipos que se podem considerar incluídos em suas duas grandes e principais vertentes, em nítida oposição: o monismo materialista e o monismo idealista. O primeiro se fundamenta no fato de que toda a existência se reduz à matéria e seus atributos. Os seres vivos, por exemplo, se explicariam unicamente pelo funcionamento dos fenômenos físico-químicos existentes na unidade orgânica e a própria consciência humana nada mais seria do que o produto das ações e interações bioquímicas da massa neuronal (ideia também chamada epifenomenismo). Os grandes representantes do monismo materialista, normalmente ventilado por sentimentos anti-religiosos, foram Thomas Hobbes, Diderot, Paul Henri Dietrich, Pierre Maupertuis, Julien Offroy de la Mettrie, Karl Marx, Engels, Lênin e outros.

No início do século XX, o filósofo e biólogo alemão Ernst Haeckel, utilizando o pensamento evolucionista de Charles Darwin, tentou explicar a vida, o universo e a própria consciência, segundo um monismo genético e mecanicista. Ele foi o primeiro pensador moderno a intentar, com a ajuda do evolucionismo nascente, a unificação da Biologia com a religião. Ainda que seu pensamento monista não tenha abrangido a essência divina, seu brilhantismo se revelou na descoberta da existência de um princípio unificador regendo a evolução, chamado lei biogenética, segundo o qual cada animal percorre, a partir da fase embrionária, todas as etapas evolutivas que o levaram a ocupar o seu lugar na ordem natural. Em suas próprias palavras, “a ontogenia recapitula a filogenia”, sendo a ontogenia o desenvolvimento embrionário individual e a filogenia a história evolutiva da sua espécie, princípio que foi prontamente absorvido pelo pensamento espiritualista moderno. Somando-se a lei biogenética de Haeckel à palingenesia, foi possível unificar a evolução biológica com o espiritualismo, adotando-se o princípio espiritual como a unidade da vida, proporcionando-se maior coerência aos processos vitais e conferindo telefinalismo às mutações genéticas, antes consideradas fenômenos completamente casuais.

A ciência do século XX, concebendo em sua época que tudo se reduz à matéria e não admitindo para ela uma origem transcendente a si mesma, compôs o seu mais importante subsídio filosófico, o monismo materialista. Monismo que logo sucumbiu ante a irrealidade das bases constituintes da própria matéria, sob o domínio do pensamento quântico que tudo desfez em pacotes de ondas que, afinal, em nada se sustentam.

Prenunciando o monismo quântico, Wilhelm Ostwald, químico e filósofo germânico do início do século XX, apregoou a doutrina segundo a qual a única e última realidade da existência era a energia. E recentemente, unindo a Física relativista à Mecânica quântica, a moderna teoria das cordas, como vimos, vem tentando resgatar um substrato único para as partículas atômicas de massa e para as energias que as mobilizam, identificando-o nos laços mínimos, as agitadas unidades feitas de insólitos pulsos vibráteis e nada mais. Esforço que integra a busca pela grande teoria unificada (Gut, em inglês) segundo a qual a ciência de nossos dias se empenha na afanosa procura por um monismo substancial que satisfaça o natural anseio humano por unicidade, aspiração que sempre moveu todos os grandes pensadores de todas as épocas, demonstrando-nos que a unidade é um modelo divino que impera em toda a criação.

Já o monismo idealista se fundamenta em princípios formativos de natureza imaterial e espiritual, para explicar a composição de tudo o que existe. Seu mais ardoroso representante na Antiguidade pode ser considerado Plotino, o sucessor do idealismo platônico. Filósofo egípcio que viveu entre 205 e 270 d.C., desenvolveu a escola denominada neoplatonismo que defendia ser a realidade última do universo a inteligência pura, incognoscível, infinita e perfeita, da qual tudo derivava. Plotino se utilizou do mesmo termo apregoado por Anaxágoras, noûs, como a essência universal consubstanciada no Uno para compor o seu monismo idealista. Ele foi mais tarde, no período medieval, seguido por Jâmblico, Proclo, Santo Agostinho e Marsilio Ficino.

No pensamento eminentemente teológico da Era Medieval predominou um monismo idealista ternário, fundamentado na Santíssima Trindade. A despeito de não se encontrar uma referência exata no texto bíblico, acredita-se que ele tenha sido inferido pelas palavras de Cristo por ocasião de seu batismo e em sua reaparição depois da morte, quando Ele recomenda aos apóstolos: “Ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus 28:19). Estabelecido como um mistério da fé, esse monismo ternário foi instituído pelo I Concílio de Nicéia no ano 325 da era cristã, contudo, foi Santo Agostinho, em sua obra De Trinitate (Da Trindade) escrita no ano 400 que o fundamentou como um dos principais dogmas da Santa Sé. O Santo de Hipona, detendo-se largamente na compreensão do principal mistério da fé cristã, definiu a unidade mística da Trindade como uma consubstanciação, palavra que designa a união de dois ou mais corpos em uma mesma substância, fazendo das três uma só pessoa. Embora o dogma permaneça incompreendido pela maioria dos fiéis até os dias de hoje, com o pensamento agostiniano ele se caracterizou como um verdadeiro monismo, ainda que abstrato e indiferenciado, porquanto a Trindade se unificava em Deus, o Pai, impedindo-se a distinção de três deuses independentes. Mesmo se expressando em três pessoas, Deus era considerado a fonte da Trindade, conservando-se como uma transcendência unitária, indivisa, incriada e origem de todas as coisas. Todavia, a interpretação monista que inicialmente ventilou a filosofia cristã terminou por se fixar, de fato, não no monismo propriamente dito, mas sim no monoteísmo, uma vez que se passou a considerar um Deus antropomórfico de aspecto apenas transcendente, recôndito no céu, distanciado da criação e de seus seres.

No Renascimento, contrariando o monoteísmo que se estabeleceu como dogma, Giordano Bruno recrudesceu o monismo idealista e religioso, defendendo a existência de um Deus infinito que, além de ser o Senhor do universo, se fundia também com a Sua própria criação, tornando divina toda a natureza. Estando muito além da acanhada teologia de seu tempo, ele não pôde ser compreendido e, acusado de panteísta, grave heresia em sua época, acabou sendo condenado à morte na fogueira no ano de 1600, como já vimos.

Logo depois nos encontramos com o holandês Baruch de Spinoza, defensor de um monismo idealista segundo o qual espírito e corpo seriam atributos de uma mesma substância de natureza divina, sendo Deus e a criação uma só e mesma coisa. Nesta mesma época, século XVII, Leibniz apresentava o seu monismo com base na monadologia, seguido por Berkeley e Rudolf Hermann Lotze. A enteléquia de Leibniz definiu a unidade monádica como o componente básico e divino de toda e qualquer realidade física ou anímica, caracterizada por inteligência, imaterialidade, indivisibilidade e eternidade, aproximando-se do monismo substancial de Ubaldi.

No século XVIII, George Berkeley, o famoso filósofo irlandês, formulou sua doutrina considerada também monista idealista, baseando-se na percepção mental como única realidade que a tudo permite existir.

Como vemos, muitas são as acepções que se podem imputar ao monismo que, embora sendo a doutrina da unidade, não se eximiu de se diversificar na pulverização do fragmentário pensamento humano que ainda não conhece o caminho para a síntese. A despeito do valor de todas elas, nos ateremos, em nosso estudo, ao monismo ubaldiano, por se tratar do nosso objetivo, abstendo-nos de um estudo comparativo e pormenorizado de todas as demais vertentes interpretativas. Assim sendo, consideraremos doravante toda referência ao monismo como sendo genuinamente aquele que integra o pensamento de Ubaldi, eximindo-nos de indicar-lhe a origem.

Na atualidade, nenhuma das doutrinas monistas sobrevive fora dos ambientes acadêmicos da filosofia, uma vez que a dicotomia cartesiana, que passou a imperar nas concepções humanas, tornou-se vigorosa o bastante para se impor como a única estampa da realidade. Tendo como base o monoteísmo e a multiplicidade fenomênica, ela nos desenhou uma visão mecanicista e atomista de mundo, a qual ainda domina a mentalidade do homem comum de nossos dias.

Extrapolando o âmbito da ciência onde se estabeleceu e ignorando as brisas ideológicas que periodicamente saneiam a estagnação humana, a dicotomia cartesiana terminou por contaminar todo o pensamento religioso ocidental de modo geral. As grandes religiões cristãs, amofinadas em seus templos de pedras, persistem compartilhando conceitos monistas e monoteístas com um dualismo reducionista e limitado, deixando a alma humana subjugada por um insolúvel dilema conceitual, não vivenciado somente por aqueles que ainda não o podem perceber, incapazes de alcançar o seu significado mais profundo. Deus e o espírito separaram-se definitivamente da matéria, pondo-se, de um lado, os assuntos de interesse religioso e de outro, as interpretações científicas, como duas realidades irreconciliáveis.

O espiritismo, embora imbuído de uma genuína ânsia de síntese filosófica e religiosa, nasceu, como o exigia a época em que veio aos homens, ventilado por essa concepção dualista distanciada do unicismo que seguramente deve imperar na criação. Embora ele tenha estabelecido o espírito puro como o único produto resgatável da criação progressiva, o seu universo está dicotomizado entre uma essência espiritual (Deus e espírito) e outra física (a matéria). Todavia, o monismo substancial está nele parcialmente presente na figura do fluido cósmico universal, a substância unificadora, hausto divino, fonte originária dos objetos fenomênicos, exceto do espírito, embora este também provenha de Deus. Felizmente, como podemos ver através do pensamento de Emmanuel, o dualismo espírita também está se encaminhando para a realidade monista da criação, embora muitos estudiosos espíritas ainda não tenham ressaltado o fato, menosprezando-lhe a importância.

Fixado em dogmatismos e repousando entre um monoteísmo teológico, restrito aos círculos de uma fé irracional, e o pluralismo científico, adotado como realidade no domínio da Física clássica, onde Deus não deve se meter, o homem atual não se deu conta, ainda, de que nenhum desses dois modelos espelham os fundamentos da obra divina. Se a própria ciência já afirmou que o universo, em sua intimidade infinitesimal, é uma teia fluídica urdida em uma inquestionável interdependência, o seu estofo constitucional é, em última análise, um monismo interativo.

Em meio ao caos conceitual de nossos dias, Ubaldi comparece a fim de resgatar devidamente o verdadeiro monismo, em seu sentido metafísico, como uma linha mestra da compreensão de Deus e do universo. Afirmando a unidade indissolúvel da criação, sua criteriosa filosofia reconcilia perfeitamente a fé com a ciência e recompõe o dualismo cartesiano, ainda vigente, em uma definitiva fusão sintética que vencerá os tempos e se fundamentará como o mais exato retrato da realidade. Por isso, acreditamos, o grande missionário de Cristo será lembrado pela história humana como o maior representante do pensamento monista de todos os tempos.

O monismo de Ubaldi, essencialmente idealista, transcendental e divino, se baseia na existência de um substrato primário, que ele denomina substância, como fonte de tudo o que existe. Algo que não pode ser compreendido como uma base física, a substância é o fluxo do pensamento de Deus que se individua em toda manifestação fenomênica conhecida, sendo, portanto, uma potência criativa inefável e incriada, originariamente atemporal e hiperdimensional. Representada por ômega (w) na grande equação da substância, descrita brilhantemente em A Grande Síntese, podemos identificar a substância de Ubaldi como o mesmo noûs que sustentava as concepções de Anaxágoras e Plotino. Ela é a base para a formação ao mesmo tempo do espírito, da energia e da matéria, conduzindo-nos ao mais completo entendimento do monismo universal de que se tem notícia até o momento, conceito que melhor abordaremos posteriormente.

A unidade da criação, a substância, segundo o pensamento de Ubaldi, é capaz de se manifestar em um aspecto ternário e dual ao mesmo tempo, como expressões genuínas de sua divina potencialidade. Fato que a torna suscetível de se converter em todo eu fenomênico conhecido, seja ideológico, dinâmico ou estático. Essa extraordinária concepção se, a princípio, pode nos parecer incompreensível, permeia toda a dialética ubaldiana, estabelecida como o fundamento do pensamento divino e da criação.

E interessante diferenciarmos logo o monismo ubaldiano do panteísmo, defendendo-o das incorretas injunções que muitos estudiosos lhe imputaram, compreensíveis, ante as dificuldades de nosso concebível atual em lhe alcançar toda a maravilhosa extensão conceitual. Fato que, como vimos, se repete frequentemente na história humana, sempre pronta a condenar o que não pode ser prontamente compreendido.

O panteísmo é a doutrina que compreende Deus nada mais do que a somatória de tudo o que existe. Segundo essa escola filosófica, há uma aproximação de identidade completa entre Deus e a criação, entendidos como integrados em uma só e indissolúvel realidade. Assim, Deus é coincidente com a sua obra e nada pode existir que não seja a própria substância e manifestação da Divindade, até mesmo a condição humana. Tudo sendo Deus, toda individualidade somente existe como gotas em um oceano, e o oceano, por sua vez, nada mais é do que o conjunto de todas elas. Esta doutrina foi severamente combatida nos meios religiosos ocidentais, compreendida como uma negação da existência de um Deus independente e transcendente à Sua obra. Hoje compreendemos que a teologia cristã nos ensinou a divisar, ainda que situado nos rincões do infinito, somente a transcendência divina, como se fosse a Sua única realidade, visão que se define como monoteísta. Já o panteísmo é uma tentativa de se compreender Deus como uma imanência presente em toda criação, uma vez que o Senhor não poderia criar fora de Seu próprio campo de manifestação e sem que retirasse de Sua própria substância unitária, aspecto que também não pode ser negado.

Dessa forma o monoteísmo viu Deus em Sua transcendência, a unidade divina que está além da criação, enquanto que o panteísmo O vislumbrou em Seu aspecto imanente, inserido em tudo o que existe. Já o monismo é a exata soma das duas visões, a transcendência e a imanência divina, unificando as duas verdades em uma única realidade. E assim o monismo reúne o Deus superior, que comanda à distância a Sua criação, com o Deus interior, que é força e lei imanente e permanente em cada eu fenomênico em realização no mundo das formas.

No início do século XIX, o pensador alemão Christian Krause intentou também a união entre as doutrinas monoteísta e panteísta, criando o termo panenteísmo, também chamado de panteísmo acosmístico, calcado na mesma suposição monista de que todo o universo está contido na intimidade de uma única e divina substância primordial, aproximando-se do pensamento de Ubaldi.

Um modo facilitado de se compreender a relação entre o monoteísmo e o panteísmo é considerarmos a nossa vivência como fenômeno humano. Somos um organismo consciente formado por 100 trilhões de células que vivem no nosso campo de expressão interna e formam conosco uma unidade. Porém, não somos a exata soma de todas as nossas individualidades celulares, pois temos uma consciência à parte e superior ao conjunto, embora estejamos incorporados igualmente em cada uma delas em particular. Somos, portanto, uma entidade panteísta e monoteísta concomitantes em nossa relação corpórea, configurando-nos, na verdade, como um ente monista-unitário e indiviso.

Assim, o Deus panteísta é o infinito oceano de gotas de que se compõe a criação e o Deus monoteísta é a máxima individuação que transcende a todas elas. Ambos os aspectos se somam em uma unidade, na verdade, indissolúvel e que apenas conceitualmente se pode separar, compondo o verdadeiro monismo – a unidade divina, o Todo orgânico que tudo contém e, ao mesmo tempo, é mais do que o seu conjunto.

Dessa forma compreenderemos que, como nos afirmou Sua Voz (assim Pietro Ubaldi denominou a fonte inspiradora de seus ensinamentos, como veremos logo a seguir), se na história do pensamento religioso, a visão deífica progrediu do politeísmo para o monoteísmo no passado, deve agora evoluir do monoteísmo para o monismo, a fim de nos fazer avançar no indispensável e mais real entendimento da natureza de nosso Pai celestial. Lembrando que estamos considerando aqui o amplo monismo idealista e espiritual de Pietro Ubaldi, por julgá-lo o mais habilitado, na atualidade, para nos conduzir nessa escalada do conhecimento, uma vez que ele é o único capaz de absorver todas as outras doutrinas unicistas que citamos.

O monismo se apoia assim no princípio de unidade, como o fundamento que sustenta todo o edifício conceitual da criação, o alicerce de toda a fenomenologia universal. Por isso monismo nos diz que tudo no universo se constrói segundo um modelo único, oriundo de um único pensamento diretor que proporciona a tudo funcionamento e estrutura semelhantes. Observa-se, assim, um só princípio que se desdobra do geral ao particular, copiando-se sempre a si mesmo. Em decorrência disso, o universo se comporta como um grande e unitário organismo, um Todo coerente, funcionando suas partes de modo integrado em função de uma unidade maior.

Justifica-se, dessa forma, o fato de que as leis que regem esse Todo se comportem de forma idêntica em absolutamente todos os lugares em que expressa a existência, uma vez que elas são filhas de uma mesma Inteligência diretora. Se assim não fosse, não podendo se tocar fisicamente pelas imensas distâncias que os separam, os fenômenos não poderiam funcionar de forma tão semelhante. Por exemplo, por que a lei da gravidade atua exatamente da mesma maneira em regiões que jamais se conheceram? A unitária coerência das leis físicas é a máxima e inconteste prova de que a criação flui de uma única vontade que uniformiza todas as suas expressões fenomênicas, refletindo o Todo de onde provêm. “A unidade é a mais evidente expressão do monismo do universo e da presença universal da Divindade” – nos afirma Ubaldi em A Grande Síntese.

O princípio monista gera a repetição do tipo único, fazendo com que a criação reproduza, em todas as suas escalas, os mesmos fundamentos gerais do Todo. Por isso a obra divina, embora se divida do geral ao particular, irá refletir, nas partes, o mesmo comportamento da Unidade. A geometria monista faz-se assim holística em seus fundamentos, uma vez que as suas frações são iguais à totalidade. Esquema este que identificamos nas formulações denominadas fractais, que se desenham como formas geométricas divididas em partes sucessivamente menores, as quais copiam, do infinito positivo ao negativo, a exata configuração do diagrama maior.

A dinâmica em fractal, segundo a qual é tecida a criação, representa exatamente o mesmo conceito apregoado pela doutrina holística atual, que se encontra refletido também no esquema holográfico, no qual cada porção repete exatamente a figura do conjunto. Princípio secular que se pode identificar nas culturas do passado, pois os grandes sábios de todos os tempos souberam enxergá-lo, com evidência, na expressão fenomênica do universo. Uma lenda védica nos diz que, no paraíso de Indra, há um colar de pérolas dispostas de tal maneira que, ao se olhar para uma delas, se vê refletido todo o colar. Anaxágoras no séc. V a.C. já afirmava que “tudo está em tudo” e que “em cada coisa há parte de todas as coisas”, conceito repetido por Heráclito no séc IV a.C., que, com poesia, nos revelava a mesma dinâmica holística do funcionamento universal, ao afirmar: “De todas as coisas um e do um, todas as coisas”. Parmênides, ao declarar que o cosmo era uma esfera única e imóvel, e Pitágoras, ao dizer que todas as coisas são números, vislumbravam igualmente a coesão unitária da criação. Os filósofos monistas, como Spinoza, ao supor o todo como a única realidade e Leibniz, declarando a unidade monádica da criação, estavam no encalço do princípio unitário. E, da mesma forma, os físicos modernos, empenhados na busca da grande teoria unificada, sem que o saibam, estão atendendo ao mais lídimo anseio da alma humana: a compreensão da lei de unidade que rege o universo e nos aproxima do Criador.

Esse princípio, contudo, foi melhor evidenciado por Jesus ao afirmar “Eu e o Pai somos um” e ao explicar que veio ao mundo “para que todos sejam um; assim como tu, ó Pai, és em mim, e eu em ti, que também eles sejam um em nós” (João 10:30 e 17:21 respectivamente ), suscitando-nos a entrega da vontade a Deus a fim de constituirmos com Ele e o universo uma verdadeira unicidade.

Pelo fato de podermos reduzir tudo a um tipo único, torna-se possível assim compreender toda a estrutura da criação, pois se conhecermos os princípios que regem um determinado fenômeno, basta extrapolá-los para as maiores ou menores unidades que lhe seguem, uma vez que todos lhes serão análogos. Assim o Todo sempre copia a si mesmo, o microcosmo repete o macrocosmo e nas menores particularidades fenomênicas se acham sempre presentes os mesmos fundamentos gerais que regem a criação. Um idêntico pensamento gera galáxias, guia mundos, constrói átomos e também forma seres fecundados de vida, sentimentos e vontade. Isso nos leva a reafirmar, como aprendemos em A Grande Síntese, que uma mesma potência se faz coesão no átomo, atração no mineral, luta no animal, simpatia no homem e amor na angelitude.

Além disso, observa-se na criação que o impulso de unificação se equilibra com uma igual força de partição, que tudo divide em menores componentes, fazendo o geral fragmentar-se no particular e especializar-se em funções específicas. Fato necessário para que o Todo se converta em organismo, onde quer que se expresse a fenomenologia universal. Todavia, podemos observar também que, embora a realidade unitária se separe em partes constituintes, estas logo tornam a se juntarem no afã de reconstituir a unidade. E, assim, a rica complexidade fenomênica da criação nada mais é do que a pulverização de uma mesma unidade que busca reunir-se novamente, fundindo suas partes em um indissolúvel conjunto. Tal impulso é facilmente observável em nós mesmos, pois somos feitos de um inestancável anseio por unificações que somente a herança dos atávicos impulsos divinos pode explicar.

Unidades de princípios e finalidades, de ações e meios, de dinamismos e trajetórias fazem assim do universo um grande e unitário organismo. Por isso, isolar-se é morrer em nosso cosmo e todo “filho” está imbuído do permanente ensejo de reencontrar-se com o seu “Pai”.

O princípio monista imprime a tudo uma razão de ser e um funcionamento lógico, tornando o universo um todo por excelência, orgânico e ordenado. Na infinita variedade das formas, ele se expressa sempre igual, ressurgindo com mecanismos semelhantes e objetivos comuns, embora em níveis e particularidades, às vezes, aparentemente diferenciados. Logo, esse é o fundamento que confere ordem e harmonia ao cosmo, sem o qual tudo se esfacelaria em um completo caos.

A própria lei que rege a criação se comporta como uma unidade orgânica, pois seus princípios se desdobram sempre dos maiores para os menores, gerando uma coerência de funcionamento que se harmoniza em torno de objetivos comuns e faz convergir causa e efeito, tornando ilusórias as suas divisões, uma vez que, fundidos na unidade, nada tem existência isolada. Por isso, Deus está ao mesmo tempo no centro e na periferia da criação, por mais distante que se possa concebê-Lo, não havendo para o pensamento diretor do universo lugar onde não se ache presente com a mesma potência de Seu cerne de origem. “Todas as coisas estão cheia de deuses”, nos afirmou a visão intuitiva de Tales de Mileto, ainda no século VI a.C., que enxergou em tudo a manifestação da mente divina.

O fundamento monista nos diz ainda que o edifício divino tem, não somente uma única origem e funcionamento, mas se constrói através do transformismo de uma só substância, fato que caracteriza justamente o monismo substancial. Do pensamento de Deus, portanto, parte uma emanação criadora unitária, que Ubaldi denomina substância, capaz de se converter em tudo o que é possível existir. Indefinível em sua natureza íntima, tal substrato unitário se constitui, em sua origem, de uma potência criadora que se dinamiza pela vontade, concretizando-se em todos os elementos conhecidos e desconhecidos, fazendo do universo nada mais do que uma abstração da mente divina. Esse conceito torna espírito, energia e matéria elementos de idêntica natureza que se diferenciam apenas por íntimo funcionamento dinâmico e nada mais. E assim, no edifício monista, essas três apresentações fenomênicas têm uma mesma fonte e não são, absolutamente, geradas em separado como anteriormente julgávamos. O espírito é a ideia pura, a energia é a ideia dinamizada progredindo no tempo e a matéria, a mesma ideia encarcerada no espaço. Tornaremos a esse monismo substancial a fim de visualizá-lo melhor, mais adiante.

Compreendemos ainda que, embora pareça um contrassenso ao nosso precário entendimento, o princípio de unidade se manifesta como uma divisão conceitual dualística e ternária, pois ele se faz dualidade e trindade ao mesmo tempo. Fato indispensável para se gerar a complexidade fenomênica universal e que entenderemos melhor ao apresentarmos os princípios de dualidade e trindade que integram o funcionamento do Todo.

O monismo, como princípio de unidade, está então inexoravelmente presente em tudo o que se forma na natureza. Tudo se origina a partir de uma semente, um núcleo irradiante de potencialidades criadoras que se desenvolve na multiplicidade da forma. Por exemplo, somos uma admirável unidade orgânica, uma única vontade operante de um eu central, manifesto em um universo de 100 trilhões de células que nasceram de um único óvulo fecundado, expressando nitidamente o admirável princípio unitário que funciona no Todo e no particular. E não somente os seres biológicos se desenvolvem a partir de bases unitárias, pois o universo físico se expandiu a partir de um ponto mínimo de singularidade, as galáxias são irradiações de um poderoso núcleo de atração gravitacional e os sistemas solares se constroem a partir da convergência de diáfanas massas nebulares. No reino elementar, igualmente, uma única substância, o hidrogênio, é a base para a formação de todos os 94 elementos naturais. E chegaremos à compreensão de que um único substrato forma todo o edifício atômico, com sua variada gama de partículas fundamentais. E uma só força origina todas as energias do universo, fato que, se ainda é motivo de perquirições pela nossa ciência, já desponta na intuição humana como uma verdade fundamental, pronta para concretizar a tão sonhada grande teoria unificada do universo.

Conhecedores de que uma base monista governa a obra divina, torna-se fácil compreender que o individualismo separatista, que por vezes nos domina as intenções, é inadequado sentimento que nos aparta das portentosas forças que sustentam a criação e nos faz paupérrimos em meio à abundância que nela impera. Por isso, unificar-se é o sentido da vida e o anseio natural que deve nos mover na caminhada evolutiva.

Torna-se claro que a abrangente visão monista de Ubaldi resgata o conceito de um Deus criador, ou seja, o criacionismo secular, sem negar a verdade inconteste do evolucionismo hodierno. E, unindo teses e antíteses numa elevada dialética espiritual, nos capacita a alcançar a visão síntese em que se desenha a geometria cósmica, satisfazendo-nos o natural desejo de discernimento. Dessa forma, o monismo efetua uma das mais importantes reconciliações que o homem moderno, urgentemente, deve empreender: a união das duas irrevogáveis e aparentemente contraditórias teorias sobre a macroestrutura da criação que chegaram até os nossos dias, o criacionismo e o evolucionismo, justificando-se a exata posição de cada uma delas no arranjo do Todo.

Belo Horizonte, inverno de 2005

Gilson Freire

Nota: Este artigo integra a obra Arquitetura Cósmica, do mesmo autor e publicada pela Editora INEDE.

Bibliografia:

1) UBALDI, Pietro. A Grande Síntese. 21a ed. Campos dos Goytacazes: Ed. Instituto Pietro Ubaldi, 2001.

2) UBALDI, Pietro. Deus e Universo. 3a ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1987.

3) UBALDI, Pietro. O Sistema. 2a ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1984.

4) FREIRE, Gilson. Arquitetura Cósmica, Belo Horizonte: INEDE, 2006.

Wednesday the 18th. . Custom text here