O Apocalipse Segundo Ubaldi

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O APOCALIPSE SEGUNDO UBALDI

(Sob um enfoque pessoal)

Por Gilson Freire

Este trabalho é a súmula de uma palestra realizada pelo redator no XVIII Seminário Pietro Ubaldi,

no dia 24 de fevereiro de 2012, no CEFET-MG, em Belo Horizonte, MG

 

INTRODUÇÃO

 O Apocalipse, livro que conclui o cânone bíblico, foi escrito por João Evangelista, já em idade bastante avançada, possivelmente, estimam os historiadores, entre 98 e 100 anos. De acordo com o próprio narrador, o texto lhe fora ditado por Jesus Cristo, quem então seria o verdadeiro autor do relato.

O nome “apocalipse” é uma palavra de origem grega cujo significado é “revelação”. Portanto, o título original do livro, segundo também as tradições, seria “A Revelação de Jesus Cristo”.

Acredita-se que tenha sido composto nos anos 95 ou 96 d.C., no décimo quarto ano do reinado do imperador romano Domiciano, e na Ilha de Patmos, onde o amado apóstolo de Jesus se achava exilado. Essa pequena ilha, de aproximados 35 km2, situa-se no Mar Egeu. Hoje pertencente à Grécia, na ocasião ela era usada como lugar de banimento pelos romanos. Segundo a tradição local, ainda se pode encontrar a caverna onde João teria recebido a sua profética revelação.

Ao longo dos séculos, a contundente mensagem desse livro vem acompanhando a civilização cristã, nutrindo-a com o anúncio de hecatombes e grandes comoções para a nossa humanidade. E sua incisiva linguagem tem se prestado às mais diversas interpretações, todas, no entanto, referidas a uma suposta destruição total da Terra e à separação das almas justas das injustas, sendo as primeiras recebidas no Reino de Deus e as últimas atiradas para sempre no inferno. Por isso, Apocalipse tornou-se sinônimo de “fim de mundo” e “Juízo Final”. Após o advento da doutrina Espírita, que nos firmou a crença na reencarnação, ou seja, a progressão constante das almas, e a inexistência das chamadas “penas eternas”, o Apocalipse passou a ser entendido como uma passagem de fase da humanidade terrena e não exatamente o fim da vida na Terra.

Temos, portanto, três possibilidades para sua interpretação, segundo nossos conhecimentos atuais:

a) Destruição total da vida terrena e o fim da nossa civilização;

b) Destruição de todo o universo conhecido, junto com a Terra;

c) Mudança de ciclo do planeta e de fase da civilização terrena.

A opção “a” se refere a um Juízo Final local. Já a opção “b”, remete-nos a um Juízo Final Total para todo o cosmo que nos envolve. E, enfim, a opção “c” nos fala de um Juízo Parcial, uma vez que não haveria a destruição total da Terra e sequer do universo em que vivemos.

Analisaremos essas possibilidades, para concluir com a escolha que Ubaldi nos indicou, em sua sui generis proposta.

ESCATOLOGIA CRISTÃ: FIM DO UNIVERSO CONHECIDO – JUÍZO FINAL TOTAL

De acordo com a tradição cristã predominante em todos os tempos, o Apocalipse corresponderia exatamente à segunda opção, ou seja, a destruição não só do nosso orbe, mas de todo o universo em que estamos contidos. Essa opção configura a chamada escatologia cristã, a doutrina que trata do destino final do homem e do fim do mundo, servindo-se de uma compreensão determinística da revelação apocalíptica.

Recordemos que o universo judaico-cristão, sobretudo na Idade Média, reduzia-se praticamente à Terra. Fixada no modelo ptolomaico, essa cosmovisão, chamada geocêntrica, tinha o nosso planeta como único orbe na realidade universal, posicionado no centro da criação e cercado pelas esferas vítreas, onde se fixavam os “luzeiros do céu”. Tratava-se de um modelo antropocêntrico, segundo o qual todo o universo ao nosso derredor existiria unicamente em função do homem. A destruição de nosso mundo, portanto, implicaria, então, necessariamente, no desfazimento completo de todo o conjunto de astros que nos circundavam.

Segundo o entendimento da escatologia cristã, o fim do mundo e do universo seria seguido por uma seleção das almas humanas, quando seriam separadas as “boas” das “más”, ou seja, as “ovelhas” dos “cabritos”, ou ainda, o “joio” do “trigo”, em uma operação conhecida como Juízo, ou julgamento, Final. As almas não selecionadas teriam como fim o “inferno eterno”, e aquelas que se conformaram aos ditames cristãos seriam as escolhidas para entrar definitivamente nas benesses do Reino de Deus. Essa é a crença corrente que, em todos os tempos, alimentou todas as correntes seitas derivadas do Cristianismo.

INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA: FIM DE UMA ETAPA – UM JUÍZO PARCIAL

A Doutrina dos Espíritos, sob a interpretação do racionalismo kardequiano e alimentada pelos conhecimentos do século XIX, apregoou que Deus criaria eterna e sequencialmente no palco do espaço-tempo. Portanto, a criação, partindo da geração de espíritos simples e ignorantes, necessitaria ad aeternum de um berço cósmico entretecido em matéria, energia, espaço e tempo, a fim de permitir a seus filhos atingirem a perfeição relativa a que se destinam. Uma absoluta dissolução desse único cenário possível para a criação determinaria o término de todas as possibilidades da obra divina. Logo, a destruição do universo não seria pertinente à inteligência de um Deus eterno, “criador no espaço-tempo”.

Assim, o advento da Revelação Espírita demarcou uma diferenciada interpretação do Apocalipse. Este assinalaria, então, nada mais que uma mudança de fase da evolução planetária, quando nosso orbe progredirá na escala dos mundos, passando de um mundo de expiação e provas, para mundo de regeneração. O nascimento de uma nova civilização, destacada pela sincera prática dos preceitos evangélicos, o amor ao próximo e o colaboracionismo, caracterizaria essa nova fase da humanidade. As almas humanas que não atingissem essa nova condição evolutiva seriam banidas da Terra, levadas a reencarnar em civilizações bárbaras, situadas em um mundo ainda em estágio primitivo e selvagem. Ali encontrariam o “choro e o ranger de dentes”, preconizado pelo Cristo. No entanto, guardariam plenas possibilidades de retornar à Terra, caso venham a se regenerar no rota dos milênios. Nosso orbe passaria a ser então, para esses espíritos deportados, um novo “Paraíso Perdido”. E esses novos degredados caracterizariam outros “Adãos e Evas”, repetindo-se o que teria se passado nos primórdios de nossa civilização, quando aqui recebemos os famosos “exilados de Capela”.

Nesse caso, o Apocalipse estaria anunciando o advento dessa importante etapa na evolução planetária, que poderia passar por desencarnações em massa, cataclismos locais ou comoções generalizadas, naturais ou não, caso a humanidade fizesse por merecer essas grandes provações coletivas. De qualquer forma, a Doutrina Espirita fixou o conceito de que ocorreria nada mais que um “juízo parcial”, jamais final. Sustentada pela crença em uma evolução perpétua na eternidade do universo espaço-tempo, a Religião dos Espíritos não pôde, portanto, fixar limites para o nosso cosmo, que existiria de todo o sempre e sobreviveria na interminável esteira do tempo. Assim, a Codificação Kardequiana, que interpretou os ensinamentos dos Espíritos, permitiu-nos a identificação de ciclos planetários, aos quais as civilizações devem obedecer; e o Apocalipse estaria nos indicando senão a passagem por mais uma etapa em nossa infinita progressão no palco do espaço-tempo.

Essa interpretação, importante em nossos dias, contribuiu decisivamente para amortecer a mensagem do Livro de João e sossegar-nos o íntimo, pois, o máximo que poderíamos sofrer seria a desencarnação por algum cataclismo ou, o que seria pior, o banimento temporário para um mundo primitivo. Não deixaríamos, em absoluto, de continuar nossa impreterível trilha de ascensão evolutiva rumo à perfeição relativa, a que todos nos destinamos por absoluto imperativo da Lei do Progresso.

Essa particular interpretação do Apocalipse encontra-se muito bem estabelecida na obra A Gênese1, de Allan Kardec, na qual se lê: “Não é racional se suponha que Deus destrua o mundo precisamente quando ele entre no caminho do progresso moral, pela prática dos ensinos evangélicos. Nada, aliás, nas palavras do Cristo, indica uma destruição universal que, em tais condições, não se justificaria” (item 58, cap XVII).

No item 67, cap. XVII, da mesma obra, Kardec deixa clara a crença de que o chamado “Fim dos Tempos” significa nada mais que um juízo parcial: “Segundo essa interpretação [a espírita], não é exata a qualificação de juízo final, pois que os Espíritos passam por análogas fieiras a cada renovação dos mundos por eles habitados, até que atinjam certo grau de perfeição. Não há, portanto, juízo final propriamente dito, mas juízos gerais em todas as épocas de renovação parcial ou total da população dos mundos, por efeito das quais se operam as grandes emigrações e imigrações de Espíritos”.

O fim seria apenas da antiga civilização humana e sua involuída moral, como se lê no item 6 do cap. XVIII do citado livro: “A geração futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, se achará possuída de ideias e de sentimentos muito diversos dos da geração presente, que se vai a passo de gigante. O velho mundo estará morto e apenas viverá na História, como o estão hoje os tempos da Idade Média, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas”.

Inclusive os grandes cataclismos com desencarnações em massa anunciados no Sermão Profético e no Apocalipse representariam unicamente uma força de linguagem do discurso evangélico, destinada a abalar as almas incultas e bárbaras que compunham e ainda integram a nossa humanidade. Assim, Kardec afirma, no item 54 do cap. XVII que “é evidentemente alegórico este quadro do fim dos tempos, como a maioria dos que Jesus compunha. Pelo seu vigor, as imagens que ele encerra são de natureza a impressionar inteligências ainda rudes”. E no item 27 do cap. XVIII, enfim, o grande codificador exara: “A Terra, no dizer dos Espíritos, não terá de transformar-se por meio de um cataclismo que aniquile de súbito uma geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança alguma na ordem natural das coisas”.

Desse modo, onde o fundamentalismo cristão viu o fim absoluto para o universo conhecido, o pensamento espírita divisou nada mais que uma mudança de fase na interminável progressão evolutiva. “Juízo final” e “juízo parcial” compõem assim tese e antítese, duas verdades que se contrapõem, impossibilitadas de se fundirem em uma síntese.

 

A INTERPRETAÇÃO DE UBALDI

Já Pietro Ubaldi, no livro Profecias2, apresenta-nos uma visão bastante distinta da habitualmente encontrada nas fileiras espíritas. Como ela se aproxima do entendimento original que sempre alimentou o pensamento cristão e remete-nos de volta às incisivas palavras do Cristo, convém prestarmos a devida atenção naquilo que o missionário da Úmbria veio nos demonstrar.

UMA VISÃO DE SÍNTESE

Comecemos por seguir a inicial recomendação de Ubaldi: para entender o Apocalipse não basta a razão. Faz-se indispensável possuir uma visão geral da criação. Por isso, o autor alerta-nos em sua obra Profecias2: “É inútil querer enfrentar esse livro [o Apocalipse] sem antes ter conhecido e resolvido os grandes problemas da vida e da História. Inútil enfrentá-lo com olhos míopes, diretamente, por análises, sem saber antes olhar de longe, bem orientado pela visão panorâmica de síntese. A interpretação do Apocalipse não pode ser jogo de adivinhos, mas só trabalho de intuição e, ao mesmo tempo, raciocínio filosófico profundo” (pág. 234)2.

Seguramente, o grande missionário de Jesus trouxe-nos a mais espetacular visão da criação acessível à moderna inteligência do século XXI. Estabelecida, sobretudo, nas obras Deus e Universo3 e O Sistema4, ela é a chave que nos faltava para compreender nosso universo, a vida que aqui estabelecemos e, consequentemente, entender com mais clareza não só o Evangelho, mas igualmente o livro que o encerra, o Apocalipse. Segundo Ubaldi, viveríamos todos em um universo provisório e deteriorado, o Relativo, fruto de um imenso e coletivo equívoco e não habitamos, de modo algum, o mundo originalmente idealizado pelo nosso Criador: o Absoluto. Essa é, sem sombras de dúvida, a mais estonteante proposição que nos foi revelada no século XX, capaz de transformar por inteiro a visão que detemos do cosmo, da sua origem e do seu destino, de nossa real natureza e do verdadeiro fim de nossas vidas.

Como está muito bem esclarecido nas obras citadas, fomos, todos, criados como essências divinas e puras, no seio imaculado de Deus. Nascemos, portanto, fora do tempo e do espaço, como individuações da substância divina, o único substrato possível para a Criação original. Não haveria outra possibilidade para essa Primeira Criação, pois, Deus, sendo um domínio fora das medidas do Relativo, somente poderia criar verdadeiramente no palco do Absoluto, onde Ele se expressa em plenipotência. Gerados sob o estigma da perfeição, fora-nos dado, no entanto, o atributo da autonomia, uma vez que Deus não pretendeu a geração de autômatos que se Lhe filiassem por imperativo de Lei. Ele desejava uma adesão por amor e por isso deu-nos a opção de existir no regime de vida que nos propunha ou mesmo, experimentar outra possibilidade. Aquela que nos seduziu foi a de provar a dilatação do próprio autocentrismo, fazendo-nos, por nossa vez, centros e não periferia da Criação. Ou seja, tivemos a ególatra pretensão de nos tornarmos “Eus maiores” e não “eus menores” da original formação divina. Esse era o “fruto proibido”, a árvore do dualismo (do bem e do mal), da qual não nos convinha comer de seu fruto, ou sequer tocá-lo, pois “no dia que o comêssemos, morreríamos” (Gênesis 3:3). “Então muitos ‘deuses’ menores – diz-nos Ubaldi, em Deus e Universo3 –, feitos de substância divina, livremente decidiram tornar-se ‘Deuses’ maiores, iguais a Deus. A escolha foi por eles feita, e o universo, abalado até aos fundamentos que estão no espírito, estremeceu e parte dele desmo­ronou, involvendo na matéria. Mas não foi assim para todos os se­res. A balança em que foram colocados os dois impulsos, para uma outra multidão de espíritos se inclinou, ao invés, para o lado Amor, oposto ao da rebelião por orgulho” (pág. 48)3.

Precipitadas por uma queda dimensional, as forças rebeldes impactaram-se no chamado “átomo primordial”, de densidade infinita e dimensão nula, o qual, ao explodir, gerou o universo físico. Nascem assim o espaço e o tempo, onde se formaram a energia e a matéria, elementos até então inexistentes na realidade divina. O Absoluto, no entanto, permaneceu intacto, além das medidas do Relativismo.

Justifica-se, desse modo, o nascimento de um cosmo a partir do caos que agora precisa ser organizado na esteira do tempo, pelas forças salvadoras de Deus, que caiu com a criatura para resgatá-lo do báratro onde se prendeu. E o espírito caído, algemado agora ao redemoinho atômico, necessita crescer e progredir, com seu esforço e sua dor, através do longo caminho evolutivo, para então retornar ao “Paraíso Perdido”, o Reino divino.

Essa informação, que agora nos choca e nos parece ser a maior novidade de nossos dias, é conhecida de todos os séculos. Está estampada em todos os mitos cosmogônicos e perfeitamente delineada na simbólica desobediência de Adão e Eva e na revolta e queda dos Anjos, relatadas na Bíblia. Nessa belíssima teoria, devidamente explicada por Ubaldi, o Evangelho do Cristo é resgatado, em sua sagrada essência, como o “edifício da redenção humana”, e Jesus reassume seu papel de um enviado divino para a salvação do grande e degenerado rebanho humano. E, assim, tornam-se-nos compreensíveis assertivas evangélicas que antes nos pareciam absurdas, como a do apóstolo Pedro: “Deus não poupou os anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno, e os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo” (Pedro II 2:44).

Ante essa estupenda revelação, nosso universo é agora entendido como uma construção secundária, provisória, destinada unicamente a acolher os espíritos que caíram e permitir-lhes o retorno ao Plano divino, o Paraíso perdido. Além de não representar a original Criação divina, por estruturar-se em atributos opostos à perfeição de Deus, nosso cosmo é ainda considerado uma anomalia, “uma doença no seio da eternidade”, no dizer de Ubaldi. Ou pior ainda, nosso cosmo seria nada mais que “uma suntuosa construção de Satanás” (pág. 256)2, exara Ubaldi. Entendemos aqui que Satanás representa a adversidade, ou a oposição aos princípios divinos, ou seja, todos nós, a massa de espíritos falidos pelo exercício da rebeldia às Leis de Deus. Consequentemente, nosso universo, apesar de esplêndido em muitos aspectos e majestoso em sua grandiosidade, não passa de uma temporária e imensa ilusão de nossos sentidos. Assim como nasceu um dia, tem já demarcada a sua morte, como muito bem nos determinam atualmente os estudos da moderna Cosmologia.

Nossa casa cósmica, portanto, está cerceada no tempo, além de estar contida também nos limites do espaço. Não é uma edificação ilimitada e eterna, como antes pensávamos. Os hodiernos topógrafos siderais já lhe impuseram seus devidos limites, demarcando que ela nasceu há 13,7 bilhões de anos e deverá extinguir-se em um tempo ainda não perfeitamente estabelecido. Logo, se seu nascimento está detalhado no metafórico poema do Gênese mosaico, seu fim se acha fixado no simbolismo do Apocalipse.

Ubaldi denominou nosso universo de Antissistema (AS), em oposição ao universo original e realmente divino, por ele chamado de Sistema (S). Essa proposição explica-nos então por que em nossa realidade digladiam-se a ordem (S) com a desordem (AS), a felicidade (S) com a dor (AS), a construção (S) com a destruição (AS), a vida (S) com a morte (AS). Exatamente por vivermos em um palco onde as forças divinas do S lutam permanentemente para sobrepujar as rebeldes forças satânicas do AS. E assim entendemos por que encontramos na natureza, ao lado de formas belíssimas, figuras horrendas, como os animais peçonhentos; junto ao colaboracionismo, o injustificável parasitismo dos vermes e protozoários; e, antepondo-se ao amor, a carnificina das feras. E ainda, em meio ao aparente equilíbrio das leis de atração que sustentam os mundos, divisamos fenomenais hecatombes cósmicas, como os choques de galáxias (recentemente o telescópio Hubble capturou várias galáxias se entredevorando em espetaculares embates, como, por exemplo, a galáxia da Antena, na constelação de Peixes).

Mediante a tese da Queda, Deus é colocado em seu devido lugar de Criador perfeito, em um universo também perfeito, muito além do nosso. O Evangelho é refeito e o Cristo assume o papel de real condutor de nossa humanidade de volta à Casa Paterna (Parábola do filho pródigo). Compreendemos, enfim, o papel do Cristianismo que nos falou do começo e do fim do universo físico. Surpreendentemente essa nova visão de síntese alberga também a Doutrina Espírita, uma vez que se continua a admitir a técnica evolutiva das almas. Apenas se agrega que as reencarnações sucessivas não nos conduzem por primeira vez a Deus, mas levam-nos agora de volta ao regaço divino. O criacionismo judaico-cristão abraça-se aqui com o moderno evolucionismo, compondo dois polos de uma mesma e mais abrangente verdade.

O estudioso que ainda guarda dúvidas sobre a mais espetacular visão da criação que até então nos foi apresentada deverá atirar-se à leitura de Deus e Universo e O Sistema, de Pietro Ubaldi.

A LÓGICA DO SISTEMA

Servidos por essa fundamental visão da criação, podemos agora compreender com mais exatidão a revelação de João. Como nos afirma Ubaldi, “o Apo­calipse não só se enquadra perfeitamente na lógica do Sistema, mas também o confirma plenamente, dando-nos uma nova prova de sua verdade”(pág. 236)2.

A grande batalha do universo que se desenvolve não apenas no palco sideral, mas igualmente em nosso próprio mundo interior, representa a luta entre as forças positivas do S (o bem) e as potências negativas do AS (o mal). Esse ciclópico prélio não pode ser explicado de outra forma senão pela Queda, pois do contrário compromete-se a inteligência do Criador, que terminaria por criar oposição a si mesmo. Como nos afirma Ubaldi: “A gigantesca luta entre o bem e o mal só pode ser expli­cada com a teoria da ruína ou Queda dos Anjos, como mostramos no volume anterior Deus e Universo. OApocalipse é a história da volta, representa o caminho da reascensão, dividido em episódios de luta e conquista, até a meta final” (pág. 238)2

E continua o grande inspirado da Úmbria a explicar-nos que nosso universo, como um imenso e desbaratado jogo de miragens e fantasias, não poderá sobreviver na eternidade do tempo: “Tudo é jogo de ilusões da nossa dimensão tempo, tu­do escapa no irreal, amarrado nesta sua corrida a um presente que jamais se detém. E as forças do mal em vão se agarram às crinas desse cavalo em fuga, porque nenhum edifício estável pode construir-se, cor­rendo sobre as areias movediças do transformismo da evolução, mas só na zona alta do espírito, onde as tempestades do tempo se acalmam, em mais elevadas dimensões. O mal, porém, é força decaída, repele e renega o espírito, permanecendo desesperadamen­te preso à matéria e à sua forma. Traz assim, em si mesmo, na própria natureza, a sua própria con­denação, como ele mesmo a quis” (pág. 237)2.

E conclui sua inusitada interpretação das profecias de João: “O Apocalipse faz-nos ver o lento amadurecimento subterrâneo dos grandes fenômenos cósmicos (...). Num perfeito jogo de equilíbrios, acumulam-se em silêncio os impulsos reativos, e sobem, sobem, até a ex­plosão final,que é ao mesmo tempo o resultado de um cálculo de forças e um ato de justiça, fenômeno físico de elementos desencadeados, e fenômeno moral de punição dos culpados, terrificante fim de um mun­do e afirmação do Reino do Espírito, desespero de mor­te para os maus e vitória de vida para os bons” (pág. 237)2.

Estamos todos mergulhados na Lei de Deus, que não poderá ser interminavelmente transgredida e que atingirá os seus fins, inexoravelmente. “Se os maus quisessem fazer mau uso do amor de Deus, nem por isso a Lei poderia ficar violada pa­ra sempre2 (pág. 239) – diz-nos Ubaldi.

Com Ubaldi compreendemos então que o Apocalipse fala-nos exatamente do fim do universo conhecido e suas medidas. Ou seja, a dimensão espaço-tempo terminará por ser reabsorvida pelo Absoluto, de onde proveio. Seus deletérios produtos, a energia e a matéria, desaparecerão da realidade, para dar lugar apenas ao substrato divino, a substância essencial, imaculada, que a tudo compõe na esfera do Absoluto. O espírito sobreviverá como um domínio impreterivelmente imaterial, em sua pura essência, tal como foi criado. O AS então morrerá e, como nos afirma Ubaldi em O Sistema, aqui não restará um átomo sequer. O grande tumor que é o AS será definitivamente curado, mediante sua completa extinção. Eis o fim a que está destinada a criação secundária em que vivemos, cujo término tudo nos indica estar delineado nas incisivas palavras do último livro da Bíblia.

Esse conceito não afasta a possibilidade de estarmos vivendo, na atualidade, uma mudança de fase em nossa evolução planetária. Em absoluto. Ubaldi fala-nos também desse importante momento, como o do nascimento de uma nova civilização, a civilização do terceiro milênio. Não se nega também a probabilidade de que espíritos que não tenham atingido a condição evolutiva para aqui permanecer sejam deportados para outros mundos. Ou seja, o conceito de “Juízo parcial” mantém-se, ao que se agrega um “Juízo” verdadeiramente “final”. As opções “a” e “b”, das três possibilidades delineadas em nossa introdução, juntam-se agora à opção “c”, fazendo-se, todas, visões restritas de uma mesma verdade. Assim, com Ubaldi, podemos dizer que a verdade espírita está correta, apenas se achava incompleta; e a revelação cristã original é resgatada como uma informação compreensível e viável à nossa mentalidade moderna. Tese e antítese agora se unem para nos permitir a confecção da abrangente síntese que tanto almejamos.

OS SÍMBOLOS APOCALÍPTICOS

O Apocalipse delineia-se em um conjunto de alegorias e imagens que desafiaram e ainda desafiam a inteligência humana. A abertura dos sete selos, o toque das sete trombetas, os dragões, os animais e a besta, os números, a mulher vestida de sol e a grande prostituta, as sete taças e as últimas pragas, os quatro cavaleiros, a grande Babilônia e a Nova Jerusalém são algumas das principais alegorias de que se serve a visão profética de João para tecer sua metafórica mensagem.

Em todas as épocas, os homens intentaram dar significados a esses símbolos, todos relacionados ao momento em que viviam, em obediência ao relativismo em que se prendem nossas verdades. Por exemplo, no final da Idade Média, os católicos viam na Igreja reformista de Lutero a imagem perfeita da “grande prostituta”; já os reformistas acreditavam piamente que a velha Igreja romana estava tomada pela devassidão, representando à exatidão a figura apocalíptica de mulher devassa. Evidentemente que não podemos apoiar nenhuma dessas interpretações, contudo, mediante esse entendimento, a “mulher”, referida no texto de João, passou a significar “Igreja” para os teólogos cristãos, qualquer que seja ela.

Ubaldi afirma-nos que os símbolos, embora carreiem importantes e ocultas mensagens, não nos possibilitam, na atualidade, ser decifrados com exatidão. Não detemos ainda todos os elementos necessários para interpretá-los corretamente e emprestamos-lhes sempre significados próprios do período em que nos situamos. Como nos parece ser, a profecia apocalíptica fala-nos de um futuro ainda distante em nossa alçada evolutiva, e os eventos que ela anuncia seguramente transcendem os nossos dias. Por isso, não podemos ter a pretensão de haver elucidado com absoluta clareza qualquer deles, sendo-nos possível nada mais que meras especulações ou simples aproximações.

Aos quatro cavaleiros, por exemplo, o branco, o negro, o amarelo (ou pálido) e o vermelho, foram emprestados significados pertinentes a uma época. O próprio Ubaldi se aventura a interpretá-los, no entanto, o egrégio missionário adverte-nos: “Tentemos uma também nós, mas tendo presente que, neste ponto, saímos do terreno sólido da certeza, para entrar no das probabilidades. Ofereceremos, pois, tudo como hipótese, porque assim exige a mentalidade moderna” (pág. 257)2. Seguindo outros autores que fizeram o mesmo, Ubaldi designa então o cavaleiro branco como sendo a Inglaterra; o vermelho, a Rússia; o negro, a Alemanha; e o amarelo, os Estados Unidos. Em meados do século passado, essas eram as quatro maiores potências militares do mundo. Hoje teríamos de considerar a China e o Japão também como integrantes dessa simbologia, pois na atualidade ocupam posição entre as grandes potências mundiais. Possivelmente, nos nossos dias, Ubaldi atribuir-lhes-ia o cavaleiro amarelo, aproveitando-se da designação da raça que os caracteriza. Já Divaldo Franco declarou, logo que a AIDS foi descoberta, no início dos anos 80, que esta seria a clara designação do cavaleiro amarelo – “aquele que tinha assentado sobre ele a morte e o inferno o seguia, com o poder de matar a quarta parte da humanidade, com a espada, com fome e com a peste” (Ap. 6:8). Passados 30 anos, essa enfermidade, embora ainda represente grave problema de saúde pública, perdeu seu caráter emblemático e não se faz jus a essa espantosa metáfora apocalíptica.

Intuímos, em uma primeira aproximação, que esses cavaleiros podem significar povos, raças ou civilizações. Recordemos que, na Antiguidade, apregoava-se a existência de quatro raças humanas: a branca, a ruiva, a negra e a oriental, chamada amarela. Poderiam ser os “quatro cavalos” a conduzir os seres humanos pelas planícies do tempo. Contudo, faltam-nos subsídios para prosseguir nessa interpretação, pois os antigos hebreus, diferentemente de outros povos, dividiam os homens em apenas três raças, oriundas todas dos três filhos de Noé: Cam, Sem e Jafé.

Já os outros animais de que se serve a metáfora apocalíptica parecem representar de fato povos e civilizações. Daniel, no cap. 7 de seu livro, ao descrever sua visão dos quatro animais simbólicos, confere-lhes esse exato significado. E, com efeito, as grandes massas humanas, movidas por ímpetos de conquistas, destroem os povos submetidos a seus domínios, assemelhando-se a verdadeiras e terríveis feras.

Como vemos, a instigante simbologia que entretece a profecia de João excita-nos sobremodo a imaginação e induz-nos a precipitar conclusões que dificilmente corresponderão à realidade. Inevitavelmente, apoiar-nos-emos sempre em referências próprias da época em que vivemos e nossa acanhada visão não é, até então, suficiente para alcançar toda a extensão da verdade que ocultam. Devemos, pois, aguardar nosso crescimento a fim de emprestar-lhes o correto significado. Não obstante, a inspiração que nos guia e à qual não resistimos, induz-nos a um pequeno intento de emprestar significado a duas figuras apocalípticas, as quais se nos apresentam como de especial importância. Aqui, temos a ousadia de ir um pouco além do que Ubaldi exarou em seu estudo, ainda que corramos o risco de cair em graves equívocos. Sabemos o quanto é difícil aventurar-se nesse terreno particularmente difícil e escorregadio. Guardamos a certeza, no entanto, de que o leitor saberá aferir nosso esforço como mera tentativa de aproximação da verdade e facilmente rejeitará nossas hipóteses se julgá-las improcedentes. E saberá descartá-las se, em futuro próximo, chegarmos a diferentes conclusões.

A primeira delas é a “besta”. João, a princípio parece distinguir três bestas: a que “sobe do abismo”, a que “sai do mar” e a que “se levanta da terra”. A seguir, o apóstolo parece não mais fazer distinção entre elas e passa a se referir nada mais que a uma única besta. Podemos, portanto, entendê-las como sendo uma só, emprestando-lhes o mesmo significado, sem perder-nos em um labirinto interpretativo.

Comecemos por intentar elucidar o que seria o “abismo”, de onde “sobe a besta”. Esse termo aparece em diversas citações bíblicas, sendo a própria palavra sagrada que o define como sendo a região que está “embaixo” do Céu (Gen. 49:25, Deut. 13:33). Em Gênesis 1:2, deparamo-nos por primeira vez com esse intrigante vocábulo, na curiosa informação de que “o Espírito de Deus pairava sobre as águas do abismo”. A criação divina, paradoxalmente, inicia-se já com a presença desse abismo, ao qual a inteligência do Criador deve impor sua ordem no desenrolar do tempo – encontramo-nos aqui com uma clara referência ao nosso universo físico. Conforme nos revela a hodierna Cosmologia, nosso cosmo de fato nasceu do caos e, em seus primórdios, no início do big bang, assemelhava-se a um imenso vórtice negro de forças cósmicas altamente condensadas, contendo em si toda a substância cósmica – chamado pela Cosmologia de “ponto de singularidade” ou “átomo primordial”. Abismo então é clara referência ao AS, o nosso pobre universo deteriorado – e as poéticas palavras do Gênesis indicam-nos que o Criador, no instante da grande Queda, “preparava-se” para interferir, com suas leis salvadoras, em seu necessário resgate. Para aqueles que insistem em considerar nossa morada cósmica como uma edificação perfeita e divina, afirmamos, com Ubaldi e com a Cosmologia, que ela nasceu de uma imensa revolta dos “filhos de Deus” e fez-se no início uma barafunda de forças caóticas. Não podemos, desse modo, deixar de vê-la como um desbaratado e descomunal “buraco negro”, um sorvedouro contorcido em espaço, tempo, matéria e energia, o verdadeiro abismo.

Exatamente por isso é que o apóstolo Pedro, como já nos referimos, exarou em sua 2ª missiva que os anjos que pecaram estão presos no abismo, aguardando o juízo dos tempos, para, enfim, retornarem ao seio de Deus (Pedro II 2:44). E do mesmo modo André Luiz/Chico Xavier, na obra Entre a Terra e o Céu afirma-nos que “a cadeia de ascensão do espírito vai da intimidade do abismo à suprema glória celeste”8.

O Apocalipse (9:1-2) assevera-nos que o “quinto anjo abriu o poço do abismo com a chave que lhe foi dada” – ou seja, no final da ascese evolutiva, as leis divinas abrir-nos-ão as portas do Reino Celestial, facilitando-nos o triunfal regresso. Então, enfim, deixaremos as trevosas regiões abissais em que respiramos para adentrar as Altitudes divinas.

Retornemos agora à nossa “besta”. Podemos então compreender a “besta que sobe do abismo” como a matéria que, segundo nos explica Ubaldi, surgiu do grande “funil” da Queda, no movimento de condensação da substância divina pela precipitação das forças rebeldes em fuga do S. Nasce, assim, a matéria, emersa da fornalha negra do início do big bang, há 13,7 bilhões de anos. Acreditamos então que a “besta” é a perfeita simbologia da matéria. Embora desconheçamos o exato significado do termo no idioma empregado por João, para nós, besta define o animal de carga, o burro, produto do cruzamento do cavalo com a jumenta. É estéril e de muito curto entendimento, tendo por isso emprestado seu nome para designar a ignorância. Ora, a matéria, além de carrear o espírito caído, prende-o, abafa e atordoa-o, fazendo-se uma perfeita “besta de carga” para nossa consciência eterna. Francisco de Assis, por exemplo, denominava de “burrinho” ao franzino corpo físico que o transportava pelos caminhos do mundo.

Já a “besta que surge do mar” e a que “se levanta da terra” podem nada mais significar que a matéria elaborada em biomassa que, em nosso planeta, formou todos os seres que o habitam, “erguendo-se”, ou seja, manifestando-se, nos mares e continentes.

Aqueles que “têm o sinal da besta e a adoram” (Ap.16:2), com toda certeza são os espíritos caídos no AS, acomodados aos prazeres da matéria e apegados às suas falaciosas riquezas. “Entregaram-se ao seu poder e lhe deram autoridade na Terra”, diz-nos, acertadamente, a sabedoria do Apocalipse (Ap.17:13) – ninguém pode negar que conferimos à matéria o máximo poder e, na estrada dos milênios, sujeitamo-nos ao seu férreo e inexorável reinado (Ap. 17:17). “Adoraram-na todos os que habitam sobre a Terra, cujos nomes não estão escritos no Livro da Vida” (Ap.13:8) – repete várias vezes a palavra de João. “E aqueles que a veneram são os que combatem contra o Cordeiro, mas o Cordeiro os vencerá” (Ap. 17:14), continua o texto sagrado. Para concluir que “aquela que era e já não é, a besta, foi presa e atirada no lago do fogo que arde com enxofre” (Ap.19:11 e 20) – o que nos parece verdadeiro, pois segundo Ubaldi, a matéria, como uma construção anômala na Criação divina, produto deteriorado de nossa Queda, está fadada a extinção com o completo retorno do nosso universo à sua condição de perfeição original, ou seja, a imaterialidade.

Tem sobre suas cabeças o nome de blasfêmia (...) e toda a Terra se maravilhou de suas obras”. (...) Adoraram-na, dizendo: Quem é semelhante à besta? Quem poderá batalhar contra ela? (...) E foi-lhe dada uma boca para proferir grandes coisas e blasfêmias. E abriu a boca em blasfêmias contra Deus, contra o Seu tabernáculo e os que habitam o Céu”(Ap. 13) – aqui nos encontramos com o que poderia ser o símbolo do materialismo – a crença derivada da matéria e que apregoa ser esta a única realidade existente no universo, sendo a fonte de tudo o que existe, inclusive da vida e de nós mesmos. O materialismo então nos fez “filhos da besta”. É não é que a “besta que fala com arrogância”, apregoando verdades com o selo do cientificismo, que disseminam o niilismo e seu evidente poder destruidor da fé – verdadeiro “fogo que lhe sai da boca”?

Também lhe foi permitido fazer guerra aos santos, e vencê-los; e deu-se-lhe autoridade sobre toda tribo, e povo, e língua e nação” (Ap.13:7) – ou seja, os corolários impostos e propalados pelo materialismo, o falatório da besta, sufocaram, em todas as épocas, as verdades proferidas por todos os inspirados divinos.

Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento, calcule o número da besta; porque é o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis” (Ap.13:18) – muitos tentaram decifrar a perturbadora “numerologia da besta”, fixada em 666, e emprestaram-lhe os mais diversos significados. No entanto, julgamos que a revelação de João nada mais nos indica que os atributos a que se subordina a matéria podem ser medidos. A matéria se sujeita à limitação dos números, e “aquele que tem entendimento”, os cientistas, são capazes de determinar em cifras as suas circunscritas propriedades, como peso, tamanho, densidade, ponto de fusão etc. – propriedades que caracterizam a substância contraída pela Queda, pois no plano do Absoluto, esta se expressa além do reino de todas as medidas possíveis, a imponderabilidade.

Ao afirmar que o “número da besta é o número de um homem”, possivelmente a palavra da revelação nada mais nos confirme o fato de que o ser humano fez-se referência da criação, fixando em si todas as presumíveis mensurações do universo físico. “O homem é a medida de todas as coisas”– já nos dizia Protágoras, o famoso sofista da Grécia Antiga.

Afirma João, em 17:3-4, que a besta é montada por uma mulher, a qual tem “a cor escarlate, está cheia de nomes de blasfêmia, tendo sete cabeças e dez chifres. Está vestida de púrpura e de escarlate, e adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas e tem na mão um cálice de ouro, cheio das abominações, e da imundícia da prostituição” — figura que, ao que tudo indica, é a mesma imagem da “grande prostituta”, referida nos versículos 1 e 2 desse mesmo capítulo, aquela que “está assentada sobre muitas águas; com a qual se prostituíram os reis da terra; e os que habitam sobre a terra se embriagaram com o vinho da sua prostituição. Aqui, as muitas águas, explica o próprio Apocalipse, representam as indistintas massas humanas.

Ora, a cor escarlate é o vermelho vivo que nos remete para a carne – induzindo-nos a encontrar na “grande prostituta” a perfeita metáfora de nossas “vestes carnais”, a matéria deteriorada pela Queda que elevamos à condição de substância orgânica, a fim de nos prestar ao trânsito pelos reinos animal e humano. Evidentemente que necessitamos da carne como excelso veículo de evolução, na fase em que existimos, e dela extraímos seguros benefícios para nossa emersão nos planos superiores da vida. Todavia, não concordamos todos que facilmente nos deixamos prostituir pelos seus irrisórios prazeres? Não é por meio dela que nos refestelamos na luxúria, perdemo-nos em irrefreáveis paixões e cometemos os maiores desatinos do ego? Exatamente por isso é que Paulo de Tarso recomendou-nos, em todas as suas missivas, as mais graves asserções no uso de seus benefícios. Na epístola aos Romanos (8:6-8), por exemplo, o apóstolo dos gentios alerta-nos que “a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz, porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser; e os que estão na carne não podem agradar a Deus”. E agrega, no versículo 13: “Porque se viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis”.

O segundo símbolo a destacarmos é “a grande Babilônia”. Precipitamo-nos a emprestar-lhe uma acepção própria, em consonância com as teses de Ubaldi. Sigamos o relato do Apocalipse nos versículos que fazem referência a essa intrigante alegoria. Ela aparece em primeira citação em 14:8: “(...) Caiu, caiu a grande Babilônia, que a todas as nações deu a beber do vinho da ira da sua prostituição.” E segue em 18:2-3: “E ele [o anjo] clamou com voz forte, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia, e se tornou morada de demônios, e guarida de todo espírito imundo, e guarida de toda ave imunda e detestável. Porque todas as nações têm bebido do vinho da ira da sua prostituição, e os reis da terra se prostituíram com ela; e os mercadores da terra se enriqueceram com a abundância de suas delícias”. Em 18:10: “E, estando de longe por medo do tormento dela, dirão: Ai! ai da grande cidade, Babilônia, a cidade forte! pois numa só hora veio o teu julgamento”. Para ser concluído em 18:21: “Um forte anjo levantou uma pedra, qual uma grande mó, e lançou-a no mar, dizendo: Com igual ímpeto será lançada Babilônia, a grande cidade, e nunca mais será achada”.

A palavra Babilônia é a derivação grega do termo “Babel”, que significa “porta para o Céu”. Para os hebreus, era sinônimo de grande confusão. Tal significado fora-lhe emprestado pelos relatos do Velho Testamento, no capítulo 11 do Gênesis mosaico. Segundo esse livro, os descendentes de Adão reuniram-se na Mesopotâmia, entre os rios Tigres e Eufrates, e lá fundaram uma grande cidade, com a intenção de não se dispersarem pelo mundo. Nessa cidade, no entanto, decidiram, por ato de soberba, desafiar Deus, erguendo uma imensa torre que tocasse o céu e competisse em grandiosidade com a criação divina. No entanto, o Senhor, reconhecendo nela uma obra de arrogância do homem, destruiu-a com seu sopro e dispersou seus construtores, condenando-os a falar línguas estranhas uns aos outros, de modo que não mais pudessem se entender. A partir de tal fato, o termo Babel passou a designar “grande confusão”.

Não se sabe ao certo se existiu tal torre ou se se trata de mera simbologia bíblica. Ela é evocada para representar a formação das raças humanas e a origem de seus diversos idiomas. Acreditam, porém, os historiadores, como registrado em antigas tradições, que na cidade que depois passou a se chamar Babilônia, viveu um soberano, o rei Marduk, que de fato erguera um templo, o qual possuía uma torre muito alta, denominada Babel, ou Portal do Céu. Não se sabe ao certo se o fato é verídico, pois Marduk designava também o deus supremo dos antigos babilônios. A famosa cidade, que albergou em uma época os célebres Jardins suspensos, uma das sete maravilhas do Mundo Antigo, sofreu sucessivas invasões, até ser completamente destruída pelos exércitos de Alexandre, o Grande.

De qualquer forma, vemos nesse relato bíblico um perfeito símbolo do AS – a ilusória realidade em que vivemos. Como nos afere Ubaldi, nosso universo representa de fato uma edificação às avessas, empreendida pelos espíritos que caíram. Nosso pobre cosmo verdadeiramente parece desafiar o Criador. Erguendo-se em composições de pedras, os astros e mundos espalhados pelos campos siderais, ele guarda a intenção de ser tão grandioso quanto a obra divina original, e compete com os Céus, embora se faça nada mais que um desbaratado amontoado de matéria. Exatamente por isso, como já nos referimos, Ubaldi chega a caracterizar o AS nada mais que “a suntuosa construção de Satanás”. Desse modo, poderíamos afigurar a “grande Babilônia” como sendo o perfeito símbolo do AS, a “grande confusão”, a nossa casa cósmica deteriorada, a descomunal edificação às avessas, desordenada pela revolta de seus elementos rebeldes e destinada a ser desfeita pelo sopro da Lei divina.

O Apocalipse, portanto, estaria relatando-nos os últimos estertores do AS e seu impreterível desfazimento pela Lei de ordem e amor que deve imperar em toda a Criação divina. E a “queda da grande Babilônia” representaria, desse modo, a morte do cosmo em que vivemos, com o término de suas impróprias dimensões: o fim do tempo, do espaço, da energia e da matéria.

A darmos ouvidos aos recentes estudos da Cosmologia moderna, somos obrigados a situar o determinístico fim do nosso imenso cosmo físico em um horizonte temporal muito mais distante do que o indicado pelo Apocalipse. Nesse caso, seus relatos diriam respeito à destruição unicamente da pequena porção do AS que habitamos: a nossa Terra. Assistiríamos, portanto, à extinção de nosso mundo e da civilização que ela alberga e não de todo o universo físico. Como abordaremos a seguir, essa interpretação, que nos parece mais lógica, força-nos a emprestar à “grande Babilônia” o significado restrito da civilização terrena em seu todo. E João estaria falando-nos particularmente do fim da vida humana na Terra. De qualquer forma, para aqueles que retornarão ao Reino de Deus, a “queda da grande Babilônia” é efetivamente a morte do tempo, do espaço, da energia e da matéria, junto com todas as restritas medidas do AS.

Naturalmente que apresentamos aqui nada mais que lampejos de sugestões, servindo-nos das lições que nos deixou Ubaldi. Que o leitor sinta-se livre para rejeitá-las, pois muitas outras interpretações se fazem possíveis para a complexa metáfora oculta na revelação de João. Apenas chamamos atenção para o fato de que, antes de Ubaldi, a nenhum estudioso ocorreria dar o significado de “besta” para a matéria, da “grande prostituta” para a carne, e da “grande Babilônia” para o nosso mundo ou todo o universo físico, pois o racionalismo científico, o qual nos serve e ainda se presta à interpretação de nossas crenças religiosas, não foi capaz de conceber tais elementos como produtos deteriorados de uma outra Criação divina além da nossa, onde situamos a perfeição absoluta de Deus e dos componentes que a integram.

DOIS ELEMENTOS QUE SE COMPLEMENTAM

Esclarece-nos então o missionário da Nova Era que o Evangelho inicia-se com o anúncio da missão de Jesus por João Batista, desenvolve-se nos ensinos do Mestre divino e se encerra nas cabais palavras do Apocalipse, inspiradas ainda pelo próprio Cristo. Exarou Ubaldi: “O Evangelho anuncia o Reino de Deus. O Apocalipse narra a luta, para im­plantá-lo (...). O Evangelho termina com o sa­crifício de Cristo para a salvação dos bons. O Apoca­lipse termina com a vitória de Cristo e com a conde­nação dos maus” (pág. 239)2.

O Evangelho é a promessa de um fim último para o espírito humano e recomenda-nos o caminho a seguir. O Apocalipse, porém, é a determinística afirmação do encerramento da grande e imprópria desventura do espírito que caiu na matéria. Encerra-se, nessa clara meta predeterminada, a ciclópica luta entre o bem (S) e o mal (AS), que termina com a natural destruição do último, que jamais poderia prevalecer contra Deus. Por isso, o místico da Úmbria assevera-nos: “A linguagem do Apo­calipse se transmuda de amorável como a do Evan­gelho, em trágica e violenta, porque exprime uma for­ça que se ergue como espada flamejante, para der­rotar definitivamente o furibundo assalto das forças do mal. Move-se num terreno de bata­lha, a maior do universo, aquela empenhada entre Deus e Satanás, e na qual Deus vence. O mal deve ser destruído, mas ele está armadíssimo e resiste com todos os meios. Este é o maior drama do ser, em que tomam parte Céu e Terra, fundidos na mesma tempestade e no mesmo desenvolvimento lógico” (pág. 243)2.

AS TRÊS FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Penetrando na análise mais detalhada do Apocalipse, no capitulo VII, Ubaldi estabelece para nós a clara divisão em três partes de seus 22 capítulos:

a) Avisos às sete igrejas – cap. 1 a 3;

b) A grande luta entre o bem e o mal, até a chegada do prometido Reino de Deus – cap. 4 a 19;

c) O futuro remoto e o Juízo final – cap. 20 a 22.

Três partes que encontram correspondência com as três fases do desenvolvimento humano ao longo de três milênios de evolução:

a) 1º Milênio – Implantação do Evangelho

b) 2º Milênio – Assimilação do Evangelho

c) 3º Milênio – Implantação do Reino de Deus

Divisão que encontra perfeita correspondência ao que Jesus apregoou, ao afirmar: “A terra por si mesma produz fruto, primeiro a erva, depois a espiga, e por último o grão cheio na espiga. Mas assim que o fruto amadurecer, logo [o ceifeiro] lhe mete a foice, porque é chegada a ceifa” (Jesus – Marcos 4: 28-29).

Em decorrência disso, acreditamos que as previsões do Apocalipse não se referem exatamente aos tempos em que vivemos. Como nos relata a História, na passagem do século X para o século XI, julgou o homem medieval estar alcançando naquele então o momento apocalíptico. E agora, na transição do século XX para o XXI, da mesma forma, concluímos erroneamente viver os “tempos chegados”, a que o Cristo se referia. E vemos agora que estamos equivocados. Sem dúvidas atravessamos uma época de transição, em meio a importantes reformas prometidas para nossa evolução planetária. Como muitas vozes já nos anunciaram, sobretudo nos meios espíritas, o amadurecimento moral exigido ao homem do novo século irá de fato revolucionar a face da Terra e os elementos humanos que não souberem acompanhar o progresso poderão efetivamente sofrer um temporário banimento para outras plagas humanitárias, em outros mundos. Acreditamos nessa previsão e Ubaldi a confirma. Contudo, não é exatamente desse fenômeno que trata a revelação apocalíptica de João. Percorremos ainda o período do “amadurecimento do fruto”, depois de passarmos pela experiência da semeadura do Evangelho. E não chegamos até então na época da colheita, pois nosso fruto, a divindade em nós, não está devidamente maduro. Não nos achamos, em absoluto, prontos para ressurgir no Reino de Deus como espíritos puros e muito ainda nos falta conquistar.

Portanto, será no terceiro milênio que a Lei dar-nos-á a oportunidade de fazer florescer em nosso imo o esperado Reino dos Céus. Como nos diz Ubaldi, “no terceiro milênio, tal como Cristo no terceiro dia, é preciso ressurgir” (pág. 267)2. Informação que Ubaldi reforça em um artigo publicado na obra Comentários (P.154)6: “E a humanidade, em dores, deve ressurgir, como Ele, no seu terceiro dia, que, para ela, é o Terceiro Milênio”.

Concluímos então que, nos tempos em que vivemos, o Apocalipse já se delineia em nossos horizontes espirituais, mas somente se concluirá com nosso definitivo retorno ao Absoluto divino – o que deverá acontecer em um período aproximado de mil anos à nossa frente. Ao que tudo nos indica, esse é o intervalo que a tolerância da Lei facultar-nos-á para implementarmos em nós o Reino dos Céus. Logo, deveremos permanecer nas plagas do AS, seja na Terra ou alhures, por mais essa última temporada, quando então findará nosso prazo para o regresso à Casa Paterna.

Então, verdadeiramente, o Reino de Deus está próximo, como nos asseverou o Cristo (Lc 21:31), pois o que são mil anos no montante dos bilhões de evos em que estamos jornadeando na longa noite dos tempos, nas tumultuadas planícies do AS?

Assustados, muitos poderão considerar que se trata de um tempo muito curto para alcançarmos a almejada perfeição a que o Cristo nos concitou, a perfeição absoluta (“Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial“– Jesus, Mt 5:48). E de fato, teríamos nada mais que a oportunidade de aproximadas dez encarnações pela frente, o que nos parece ser um período exíguo, ante nossas prementes necessidades evolutivas. Devemos, no entanto, considerar que a evolução é exponencial, por seguir uma curva hiperbólica – assim, quanto mais evoluímos, mas se acelera nossa velocidade de ascensão. Além disso, nossa caminhada se faz entrecortada por grandes saltos evolutivos – desse modo poderemos ascender rapidamente até as portas dos Céus, onde aguardaremos o desfecho “do nosso tempo”, prenunciado pelo Apocalipse. Imaginamos então que a evolução há de nos cobrar, daqui para frente, genuínos valores de progresso. Possivelmente, assim que atingirmos a condição de santidade, a Lei pedir-nos-á a prova de nossas conquistas, através da real prática do amor – mas não na Terra regenerada do próximo amanhã, onde a bondade envolver-nos-á em suas blandícias, impossibilitando-nos o verdadeiro exercício das aquisições morais. Acreditamos então que deveremos reencarnar em outras humanidades primitivas, em mundos ainda selvagens, a fim de dar nosso contributo às necessárias reformas de valores de seus habitantes. Então, em futuro próximo, é bem provável que não nos acomodemos em nosso mundo de paz, desfrutando os fantásticos benefícios de avançada tecnologia, mas vejamo-nos transformados em novos avatares, a conduzir povos bárbaros, assim como muitos vieram dar-nos as mãos em nosso passado, para nos fazer ascender corretamente pela trilha do progresso. Ou, certamente, poderemos ser novos cristãos primitivos, em outras plagas humanitárias, prontos a encontrar execrável morte em circos semelhantes aos dos nossos antigos romanos. Daremos nosso testemunho em prol da causa do bem e do amor, para a salvação do nosso universo e dos infelizes seres que o habitam. Essa será nossa redenção, feita de renúncia e de dor, que nos facultará a entrada definitiva no Reino dos Céus. Não foi esse o caminho que o Cristo tomou e nos indicou seguir?

A HORA DA CEIFA

A hora apocalíptica é a hora da ceifa, quando termina o prazo para que o espírito humano reingresse no S. Hora que demarca então os instantes finais da vida do espírito no palco do tempo e do espaço, envergando corpos físicos, encarnados ou desencarnados. As almas maduras serão reunidas para o momento da colheita. No entanto, não podemos ainda entender exatamente em que ambientação dar-se-á essa decisiva vindima. É-nos impossível, no momento, compreendermos como estarão nossas vidas daqui a aproximados dez séculos.

Segundo a visão profética de João, a terra, o mar, o hades e a morte entregarão seus “mortos” para se submeterem ao juízo, à época da colheita: “E vi os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono; e abriram-se uns livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida; e os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. O mar entregou os mortos que nele havia; e a morte e o hades entregaram os mortos que neles havia; e foram julgados, cada um segundo as suas obras” (Ap. 20:12-13). A interpretação literal dessa passagem levou os estudiosos a considerar “mortos” os indivíduos que, na época do juízo, já haviam desencarnado – para muitos eles permaneceriam dormindo nos túmulos físicos, aguardando esse momento. Não obstante, seguindo a tese de Ubaldi aprendemos a interpretar como “mortos” todos os espíritos obnubilados que sofreram a “primeira morte”, a precipitação da Queda, com a consequente contração da consciência na matéria. Somos então todos “mortos” na carne, como muito bem nos caracterizou Paulo de Tarso e o próprio Evangelho. Recordemos que Jesus mandou os espíritos caídos e mortos na matéria enterrarem seus próprios irmãos caídos que desencarnam (“Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus próprios mortos” – Mt 8:22). Já hades, mencionado no texto apocalíptico, é o termo grego que designa o mundo espiritual após a morte, ou seja, as esferas espirituais que circundam a Terra e albergam as almas dos desencarnados nos interstícios reencarnatórios. Compreendemos perfeitamente com Ubaldi, que essas regiões integram igualmente o AS, pois aí se vive algemado às intempéries do tempo e do espaço, sob o império da mesma evolução que a todos conduz. Portanto, segundo o relato de João, todos os planos terrenos, o físico, onde vivem os encarnados, e o Hades, o extrafísico, onde se alojam os desencarnados, entregarão seus “mortos”, suas almas caídas, para o devido julgamento final. Então acontecerá para nós a derradeira seleção natural, o “Juízo final”, quando aqueles que estiverem amadurecidos pela evolução ressurgirão no Reino dos Céus, o Absoluto divino. E outro fim aguardará aqueles que não alcançarem tal condição.

Então se dará a grande ceifa, porque o tempo de maturação da alma humana chegou ao fim. Não será mais possível à Lei de Deus tolerar os desmandos da imensa egolatria e da desmedida soberba do espirito caído. Logo a palavra incisiva do Apocalipse clama seu prenúncio, tocando-nos profundamente as fibras da alma, para que não sejamos pegos de surpresa: “E outro anjo saiu do santuário, clamando com grande voz ao que estava assentado sobre a nuvem: Lança a tua foice e ceifa, porque é chegada a hora de ceifar, porque já a seara da terra está madura. Então aquele que estava assentado sobre a nuvem meteu a sua foice à terra, e a terra foi ceifada” (Ap 14: 15-16). “E o anjo meteu a sua foice à terra, e vindimou as uvas da vinha da terra, e lançou-as no grande lagar da ira de Deus. E o lagar foi pisado fora da cidade, e saiu sangue do lagar até os freios dos cavalos, pelo espaço de mil e seiscentos estádios” (Ap. 14: 19-20).

Lembramos ao leitor que “vindima” designa a colheita da uva madura e “lagar”, os tanques onde se maceram os frutos maduros para deles separar o suco da casca. E esse será exatamente o processo a que nos submeteremos nos derradeiros momentos de vida no AS, possivelmente mediante os estertores de nossas últimas dores, quando então sofreremos, macerados pela Lei, a separação da pura seiva divina, que nos inunda o imo, dos envoltórios psíquicos, dinâmicos e físicos, nossos corpos deteriorados, com os quais nos vestimos após a Queda.

A darmos ouvidos às palavras proféticas de João, o fato dar-se-á em um ambiente de extrema dor e destruição. Imaginamos, então, que a hora apocalíptica deva ocorrer em meio a alguma ciclópica devastação de nosso orbe, por alguma hecatombe natural. Como a descrição apocalíptica é bastante contundente, é bem possível que venhamos a sofrer a queda de um meteoro ou algum fenômeno cósmico de grande proporção. Muito provavelmente, o acontecimento não se dará mediante uma terceira guerra mundial, em um premeditado desastre nuclear desencadeado pela maldade e imprevidência humana, como muitos previram por ocasião da guerra fria, em meados do século passado. Tudo nos faz crer que neste então já estaremos vivendo no depurado ambiente de uma nova civilização, a civilização do espírito, em parcial santificação dos atos e sentimentos, enfim reparados para o definitivo retorno ao S, embora ainda estacionados em ambiente terreno.

Como veremos a seguir, os relatos de João sugerem-nos, em uma primeira aproximação, que o fim dos tempos encerra não só a destruição da Terra, mas o aniquilamento de todo o universo físico e espiritual ao nosso derredor, ou seja, o completo desfazimento do AS. No entanto, o término da evolução humana parece-nos fixado em um período muito menor do que aquele demarcado para a completa extinção do universo degenerado. Por isso, até o momento, preferimos acreditar que o Apocalipse refira-se unicamente ao “fim dos tempos” de nossa humanidade terrena. Ou seja, demarca nossa reentrada no Absoluto, quando nos faremos outra vez espíritos puros. O grande cosmo que ora nos alberga deve seguir seu lento amadurecimento evolutivo, ofertando oportunidades, no oceano dos milênios, para que as almas caídas que ainda o habitam e se encontram em planos inferiores ao que atingimos, cheguem, por sua vez, igualmente ao estágio final de reingresso no seio divino de origem. Então viverão também “seus próprios Apocalipses”. Logo, a palavra de João estaria, como a do Cristo, no Sermão Profético, dirigida nada mais que ao “rebanho de ovelhas desgarradas da casa de Israel” e não a todos os infindos seres albergados em nosso cosmo.

Muito provavelmente, o prenúncio de um determinístico fim para todo o nosso universo suscitado pelo Apocalipse vise nada mais que abalar a rude e estreita mentalidade humana. É bem verdade que nosso imenso universo deverá sucumbir um dia. No longínquo horizonte de 25 bilhões de anos, ele atingirá a exaustão térmica completa, em resposta à aceleração de seu movimento expansivo – afirma-nos a Cosmologia moderna. Além disso, seu definitivo óbito também foi fixado no estonteante limite estimado para o decaimento do próton, da ordem de 1034 anos – conforme especulam estudiosos da Física quântica. Muito antes disso, nosso Sol esgotará seu combustível nuclear e extinguir-se-á, em uma explosão que englobará toda sua família de planetas, destruindo-os completamente. Calcula-se que a morte de nossa estrela dar-se-á daqui a aproximados cinco bilhões de anos. Antes disso tudo, porém, a Astronomia nos informa que nossa Via Láctea irá colidir com Andrômeda, a galáxia mais próxima de nós. Segundo apurados estudos científicos, esses dois descomunais viveiros de estrelas estão em rota de colisão na razão de 20 km por segundo, e em 2,2 milhões de anos eles se engalfinharão em uma desproporcional e terrível trombada no palco sideral. Portanto, é verdade que, ao fim desse tempo, literalmente, “as estrelas cairão sobre a Terra” (Ap. 6:13 e Mt 24:29). Como muito bem se pode imaginar, será bom não estarmos mais por aqui.

De qualquer forma, trata-se de eventos por demais distantes para nos preocuparmos por ora. Sobretudo porque atingiremos, seguramente, os degraus finais de nossa evolução espiritual muito antes disso tudo acontecer. Nosso tempo para o retorno está próximo, afirmou-nos o Cristo. De modo que, ao que tudo indica, já estaremos seguros em Casa, juntinhos a nosso Pai, quando esses eventos se precipitarem. Se nosso sistema solar sobreviver ao choque com Andrômeda, de qualquer forma seu fim estará decretado com a morte do Sol. Se uma futuríssima humanidade ainda existir na Terra, neste longínquo horizonte, mesmo que habitando suas esferas espirituais, facilmente ela poderá ser transferida para outros mundos, em outras galáxias, é bem verdade. No entanto, espírito algum poderá permanecer para sempre nas planícies do espaço-tempo, mesmo que em corpos espiritualmente elevados, pois chegará o dia em que todos assistirão ao fim absoluto decretado para o nosso cosmo. Assim, de uma forma ou de outra, a previsão da completa dissolução de nosso universo, anunciada pelo Apocalipse, também se cumprirá, uma vez que todos os valores e potências que o integram deverão ser completamente reabsorvidos pelo S, de onde vieram. 

 

fim do mundo

As probabilidades para o "Fim do Mundo", segundo a ciência atual, em sua possível ordem cronológica (excetuando-se uma hecatombe nuclear promovida pelo próprio homem): 1) A queda de um meteoro - a qualquer momento; 2) Choque da Terra com um buraco negro - imprevisível; 3) A prevista trombada com nossa galáxia vizinha, Andrômeda (na foto, a galáxia da Antena, duas galáxias se entredevorando) - 2,2 milhões de anos; 4) A inevitável morte do Sol - 5 bilhões de anos.

 

morte universo 2

5) A morte térmica de todo o nosso Universo físico e dinâmico, e a inevitável dissolução da matéria, decorrente da irreversível expansão do espaço promovida pela energia negra - 25 bilhões de anos.

O TOQUE DA 7ª TROMBETA: ESTÁ FEITO

Está feito (...). E tocou o sétimo anjo a sua trombeta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: O reino do mundo passou a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap. 11:15).

Aqui o Apocalipse é conclusivo: “cai a grande Babilônia” (Ap. 18:2). O AS já não existe mais, afirmam as vozes do Céu, festejando o fim do grande tumor que representou o universo decaído.

Ubaldi, seguindo essa estupenda interpretação, afirma-nos: “’Está feito’ – tudo é claro, conclusivo. Inimigos de Deus não existem mais, o drama está completo com a vitória de Deus, o reino de Satanás foi destruído, aponta a alvorada do novo Reino de Deus” (pág. 265)2.

Pelo menos para nós, espíritos que evoluem nas plagas humanas, a revelação apocalíptica determina aqui, categoricamente, a extinção do AS. Encerrar-se-iam todas as oportunidades para o definitivo retorno do espírito caído, os “filhos pródigos” terrenos, à Casa Paterna. Embora pareça-nos por demais incisiva e ameaçadora, a palavra profética de João não nos deixa outra forma de entender a sua mensagem. Para aqueles que, até esse tempo, não conseguirem amadurecer em si o fruto divino do verdadeiro amor, restará a “segunda morte”, a qual abordaremos a seguir.

Como já propusemos, é bem provável que a “queda da Babilônia”, a que nos referimos, concerna apenas ao fim de nossa participação no AS. Caso a revelação aponte de fato o término do todo o complexo e imenso universo em que estamos inseridos, com seus infinitos seres contidos em seus incontáveis mundos e átomos, então teríamos de situar esse determinístico aniquilamento muito mais distante em nossos horizontes temporais. Se nosso universo despendeu 13,7 bilhões de anos para chegar até o ponto em que se encontra e, segundo nos informam as vozes superiores, ele está no meio de sua longa caminhada, então outro tanto ele gastará para conduzir os seus remanescentes habitantes, aqueles que ainda hoje se prendem nos túmulos atômicos, ao ponto de reentrada no S. Naturalmente que estacionamos aqui em um ponto de interrogação que nosso míope psiquismo atual não pode ainda solucionar – faltam-nos subsídios para uma mais perfeita compreensão do término dos fenômenos evolutivos do nosso universo.

Interpretemos, portanto, o “toque da 7ª trombeta” como uma alegoria de nosso particular reingresso na Casa Paterna, ou seja, o encerramento das chances para que nossa humanidade atinja tal condição. A conclusiva afirmação do Apocalipse –“está feito”– diria respeito então unicamente ao fim da particular estada de nossa raça nas planícies do espaço-tempo. E então teremos a oportunidade de deixar de sofrer as intempéries da energia e da matéria, nos quase infindáveis ciclos reencarnatórios a que estamos sujeitos.

De qualquer forma, faz-se muito claro que o Apocalipse é determinístico e não nos deixa dúvidas: ele não está nos falando de mera passagem de uma fase de ciclo, mas do fim de todos os ciclos possíveis. Ao retornarmos para o S, participaremos da vida no Absoluto divino, onde não é possível a existência de qualquer movimentação fenomênica, tal qual a conhecemos.

Para o estudioso espírita que permanece apregoando a infinitude da evolução, estacionado nos conceitos relativistas de espaço-tempo, lembramos que a questão 169 de O Livro dos Espíritos diz-nos que, “embora as encarnações sucessivas sejam muito numerosas, o progresso é quase infinito”. Ou seja, a progressão das almas não é interminável – ela encerra-se no Reino de Deus, como determina o Evangelho.

A SEGUNDA MORTE

Então o Apocalipse nos acena com a possibilidade da “segunda morte”. Atingimos aqui, seguramente, a mais tocante asserção das previsões de João. Diz-nos a sua palavra: “Mas, quanto aos medrosos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos adúlteros, e aos feiticeiros, e aos idólatras, e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago ardente de fogo e enxofre, que é a segunda morte (Ap. 21:8)”.

Desse modo, aqueles que não atingirem a esperada ressurreição no Mundo divino, forçosamente, por quesito de Lei, deverão experimentar a chamada “segunda morte”. A confiarmos na palavra de João, impossível não nos abalarmos ante tal assustadora possibilidade. Ela poderá significar o nosso maior temor: deixar de existir.

Sim, Ubaldi interpreta a segunda morte como a extinção do espírito. Segundo o missionário de Jesus, o espírito que persistir na revolta, na véspera de nossa reentrada no S, teria a substância que o individua completamente reabsorvida pelo manancial divino – algo muito mais terrível e fatal que a simples desencarnação ou mesmo a reclusão temporária em mundos primitivos. Seria exatamente a exclusão do espírito do palco da vida, com a dissolução de sua individualidade. Compreendamo-la como o desfazimento de uma estátua: seu substrato constitutivo não pode ser destruído, mas sim sua forma, que deixa de individuar-se em específica conformação e se desfaz nos indistintos átomos que a constituem. A segunda morte pode então ser compreendida como a diluição da gota no grande oceano da vida, de onde proveio – fato que define para nós o próprio panteísmo.

Ubaldi falou-nos dessa segunda morte em Deus e Universo, antevendo-a como uma possibilidade apenas teórica, pois, segundo o visionário da Nova Era, a dor suscitada no espírito sob descenso involutivo é tamanha que ela lhe induz à automática inversão das forças destrutivas induzidas pelo próprio mal que o aniquila.

Sigamos, entrementes, o que Ubaldi nos agrega em Profecias: “O grande drama do Apocalipse está em seu epílogo e fecha-se, em sua terceira parte, com a cena grandiosa da Ressurreição dos mortos e do Juízo Uni­versal. Satanás está definitivamente derrotado. Di­ante do trono de Deus comparecem os mortos. Abre-se o livro da vida, em que tudo está escrito e cada um é julgado segundo suas obras. O mar entrega os seus mortos. A morte e o inferno entregam seus mortos. Depois ‘(...) a morte e o inferno foram lança­dos no lago de fogo; esta é a segunda morte. E aque­le que não foi achado escrito no livro da vida, foi lan­çado no lago de fogo’ (Ap. 20:14-15). Há, pois, uma absoluta destruição final, em que são anulados também a morte e o inferno, uma segunda morte, última e definitiva, em que são precipitados todos os que não foram achados escritos no livro da vida. E a vida é Deus. Eles são eliminados do sistema, anulados mesmo como espíritos. Essa não é a habi­tual morte do corpo, não é a normal decadência de todas as coisas, para renovar-se e evoluir. Não é a costumeira morte temporária, de que tudo ressurge. Essa é a segunda morte, a definitiva, a do espírito.” (pág. 238)2

Ao reiterar a assertiva muito bem delineada no Apocalipse, muitos acusaram Ubaldi de estar restituindo o conceito medieval de “inferno eterno”, semeando temores infundados em nosso imo, além de derruir a imagem de Deus que aprendemos do Cristo, como a de um Pai infinitamente misericordioso e bom. No entanto, quem nos afiança o conceito da segunda morte não é propriamente Ubaldi, mas sim João, o qual nos afirma estar transmitindo palavras do próprio Cristo. Portanto, negue o critério de segunda morte quem o quiser, sabendo, no entanto que estará rejeitando não exatamente as conclusões de Ubaldi, mas um dos fundamentos da doutrina cristã.

A gravidade do tema induz-nos à ousadia de ir um pouco além do que nos trouxe Ubaldi. As correntes noúricas que nos perpassam o frágil intelecto neste momento e assistem a todos quantos se disponham a ouvi-las, induzem-nos a avançar no entendimento desse grande mistério. Precipitemo-nos a aferir os elevados conceitos que nos deixou Ubaldi, ainda que corramos, mais uma vez, o risco de equivocar-nos. É evidente que aqui tratamos de mero esforço de aproximação da realidade, pois estamos cientes de que nossa imensa ignorância é completamente insuficiente para fixar verdades, sobretudo, na interpretação de tão sagradas revelações. E se o fazemos é pela certeza de que o leitor saberá encará-las como simples elucubrações e aguardará nossa evolução para melhor esclarecê-las.

Podemos considerar como a primeira morte a condensação que nossa consciência sofreu com a Queda. Morremos na inconsciência da matéria, onde dormimos por incontáveis milênios até conseguir despertar parcialmente na massa orgânica, a qual nos permitiu restituir parte do substrato consciencial que herdamos do Criador. Como passamos por milhões e milhões de desencarnações, ao fim de cada trânsito carnal, muito provavelmente o desenlace físico não represente a nossa primeira morte, como muitos estudiosos supuseram. A desencarnação habitual é até mesmo uma parcial libertação, e o túmulo nada mais significa para nós do que uma incompleta ressurreição do espírito, prenunciando a última e verdadeira, a Ressurreição gloriosa no S. E deixemos claro, para aqueles que ainda não se deram conta do fato: aprendemos com Ubaldi que ressurreição não é simplesmente reencarnação, como interpretado pelos fundamentos espíritas. Ressurreição é, sim, nosso definitivo retorno ao Universo Absoluto, o Reino de Deus. Verdade que pode muito bem ser aferida nas palavras do Evangelho. Cristo a empreendeu aos nossos olhos para demonstrar-nos como realizá-la, conforme nos esclarece Ubaldi na obra Cristo, o último de seus livros.

Basta uma citação do Evangelho para aferirmos, num átimo, os importantes conceitos de “morte” e “ressurreição” com os quais estamos lidando: “Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento; mas os que são julgados dignos de alcançar o mundo vindouro, e a ressurreição dentre os mortos, nem se casam nem se dão em casamento; porque já não podem mais morrer; pois são iguais aos anjos, e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição” (Jesus, Lc 20:34-36). O “mundo vindouro” a que se refere o Divino Mestre não é simplesmente o plano espiritual que encontraremos após o túmulo (o Hades dos antigos gregos), mas sim o Reino Celestial, o plano do Absoluto, fora do tempo e do espaço. Nas esferas do post-mortem, como nos afirma a Doutrina dos Espíritos, continuamos a seguir os passos da evolução, que assim se dá nesses “dois mundos”, o físico e o extrafísico. E nesse plano dos desencarnados, seguimos “dando-nos em casamento”, como muito bem nos relatam as obras mediúnicas. Ao referir-se à “morte e mortos”, o Evangelho fala-nos, como se pode denotar em uma leitura mais atenta, dos espíritos presos na matéria, ou seja, os caídos no AS. E ao mencionar a “ressurreição”, a Boa Nova caracteriza o ressurgir na Vida Eterna, a real eternidade, fora do tempo e do espaço, onde não se nasce e não se morre mais, ou seja, não se segue mais o ritmo reencarnatório, cessando-se todo e qualquer possível movimento evolutivo. Essa é a verdadeira Vida Eterna, a dimensão do Espirito puro, que em nada se compara às nossas acanhadas existências, entrecortadas por renascimentos e desencarnações.

Logo, entendemos que, de acordo com o Evangelho, “morte” é o mesmo que “queda na matéria” – o exato oposto de “ressurreição”, que é a “libertação da matéria”. Em consonância com esse conceito, podemos deduzir que o Apocalipse, ao anunciar o fim do “tempo dos mortos” (11:18), demarca o término da vilegiatura evolutiva dos espíritos que caíram; e ao reverenciar os “bem-aventurados mortos que ressurgirão no Reino do Senhor” (14:13), declara-os reintegrados na unicidade divina.

Seguindo essa linha de interpretação poderemos conferir à “segunda morte” osignificado de uma “segunda queda” na matéria bruta e não propriamente a fatal destruição da individualidade, como a compreendemos em uma primeira aproximação do assombroso tema.

Recordemos que no livro Renúncia, de autoria de Chico Xavier/Emmanuel, encontramos a curiosa afirmação de que “a morte mais terrível é a da queda”7. E que muitos estudiosos do espírito (veja-se a obra O Abismo, de R.A. Ranieri, orientado por André Luiz) acenaram-nos com a possibilidade da chamada “petrificação perispiritual”, ou seja, a completa mineralização do campo de expressão do eu, como um grave retrocesso para aquele que se detém na revolta e na infrene prática do mal.

Consequentemente, podemos elucubrar que a segunda morte, a que se refere o Apocalipse, poderia significar uma “segunda Queda”, ou seja, os espíritos integrantes da raça humana que não atingirem a condição necessária ao reingresso no S sofreriam nova e grave contração involutiva. E então o “fogo do inferno” representaria nova reclusão na matéria bruta. Macerados pelas ciclópicas condensações de matéria e energia que se seguem às grandes hecatombes cósmicas, e, possivelmente, sugados por buracos negros, essas almas estacionariam novamente na perda da consciência, necessitando reiniciar nova ascensão evolutiva, através de outros incontáveis milênios, em nova oportunidade conferida pela misericórdia divina para atingirem, enfim, o S. Seria outra “terrível morte” que, no entanto, não representaria o fim absoluto dessas almas, o desfazimento do espírito, como nos faz supor o texto apocalíptico e foi interpretado por Ubaldi.

Sabemos que para se gerar condensados de matéria faz-se necessária intensa potência egoica – a força propulsora da compactação da substância divina que nos constitui. Revolta e egoísmo são exatamente os impulsores que constrangem o arcanjo a se prender no átomo, pois somente um descomunal egocentrismo, alimentado pelo ódio, é capaz de adensar a divina substância e confiná-la em restritos redemoinhos atômicos. Isso nos leva a concluir que apenas os espíritos que, na época demarcada pelo Apocalipse, persistirem, depois de três mil anos de Evangelho, em imane sentimento de rebeldia contra as Leis de Deus deverão deixar-se consumir no caos dinâmico das grandes macerações siderais, sofrendo a segunda morte.

Assim, entendemos que, se estamos na rota do Evangelho, não precisamos nos deixar consumir por descabido temor a essa “segunda morte”. Embora a mensagem do Apocalipse se mostre entretecida em aterrorizante linguagem, própria para abalar as profundezas da alma, ela visa seguramente a prevenir-nos de tamanho desastre. E se o tememos, é exatamente porque já o experimentamos. Trazemos, todos, indubitavelmente, nos arcanos do inconsciente, as indeléveis cicatrizes dessa grande desventura, pois passamos pela primeira morte, a Queda de origem. A palavra de João objetivaria então nada mais que alertar almas ainda rudes, como única forma de atiçá-las ao progresso espiritual. E ao lê-las, deveríamos suscitar em nós o mais sagrado ímpeto de ascensão evolutiva, adotando-as como um seriíssimo alerta dirigido às nossas consciências adormecidas na comodidade. Usemo-las para despertar em nós as divinas forças salvadoras, precavendo-nos de tão lamentável desventura, ao fim de nossa longa jornada pelos evos.

Isso assegura-nos aquietar um pouco os intelectos e refazer nosso conceito de um Deus infinitamente bondoso, justo e misericordioso, que haverá de proporcionar-nos todas as oportunidades possíveis para retornarmos ao seu Regaço de amor. Basta imaginarmo-nos adentrando a Eterna Bem-aventurança, perdendo para sempre algum de nossos entes queridos – não teríamos a paz necessária para desfrutar das benesses do Paraíso divino. Logo, não podemos supor que Deus os aniquilaria definitivamente, pois um pai jamais faria isso com seu filho. Como exarou Paulo de Tarso, “o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 1:23). E agrega o Apóstolo dos Gentios, em sua missiva aos Coríntios (6:14): “Ora, Deus não somente ressuscitou ao Senhor, mas também ressuscitará a nós pelo seu poder”.

Tudo nos leva a crer então que, a darmos ouvidos ao Apocalipse, parte de nossa humanidade deverá experimentar efetivamente nova e grande contração da consciência. E será, sim, bastante provável que o pequeno rincão do universo que habitamos sofra alguma parcial hecatombe, a qual não podemos ainda apreciar. Possivelmente assistiremos a um big crush (grande concentração) localizado, produzido por um choque com um buraco negro, por exemplo, ocasionando uma maceração involutiva dos espíritos que permanecerem atados a ele – representado no Apocalipse pelo “lago do fogo do inferno”. Seria, para nós, o fim da porção do AS que nos assiste, a destruição completa de nossa “grande Babilônia” local. O restante do imenso universo físico e espiritual em que vivemos deverá seguir sua existência, acolhendo os que sucumbiram em novo descenso involutivo e aqueles que ainda seguem a passos lentos rumo à Morada do Divino.

Resta-nos, desse modo, conquistar a “Vida Eterna”, ou seja, a condição de viver no S, em um período aproximado de mais mil anos de oportunidades evolutivas. E estamos certos de que a misericórdia divina alcança-nos e envolve-nos em Seu infindo amor, conferindo-nos múltiplas chances para atingirmos, enfim, o Reduto da paz no desdobrar desses novos dez séculos de progresso.

De qualquer forma, lendo o Apocalipse sob as luzes de Ubaldi, torna-se-nos bem claro que a “segunda morte” não significaria mera evasão para humanidades mais primitivas que a nossa, como muitos estudiosos do espírito propuseram. Não estamos negando tal possibilidade, que se daria ao fim de cada etapa cumprida pela nossa evolução moral, através da evasão dos espíritos que não alcançaram a condição de seguir os passos da maioria. A segunda morte evidencia ser algo muito mais drástico do que um exílio planetário, pois evidencia tratar-se de grave retorno às bases do universo físico, ou seja, à matéria bruta. No cerne atômico, o espírito perde sua consciência ativa e o senso de organicidade, dádivas que terá de reconquistar com enorme esforço em nova e fatigante escalada evolutiva.

E não podemos deixar de frisar que essa interpretação não afasta a proposição da completa extinção do espírito, levantada por Ubaldi. Faz-se compreensível que, do ponto de vista teórico, se o espírito caído nunca quiser aceitar o regime de vida embasado no amor, proposto pelo Criador, e insistir para sempre na ímpia e imane prática do mal, ele irá, sim, terminar por decretar a sua dissolução como individualidade. Espírito algum poderá manter eternamente sua ingente revolta contra Deus e Sua ordem. Entendemos, no entanto, que o amor de Deus pelos seus filhos foi tanto que, aos lhes dar o livre-arbítrio, Ele respeita suas escolhas e jamais os obriga a segui-Lo. Portanto, se um de seus filhos negar-se a voltar ao seu amoroso Reduto, é bem provável que termine por extinguir a si próprio, por quesito de Lei e não por vontade do Pai. Como sabemos, o mal desejado e praticado é força antivital que corrói a vida daquele que o perpetua. Exatamente por isso, a Lei faz com que a dor do espírito rebelde aumente na mesma proporção de sua revolta, de modo a cercear suas possibilidades de ação e estimulá-lo à impreterível subida, resguardando-o assim de fatal autodestruição.

Muitos, neste momento, recordar-se-ão das palavras do Cristo ao nos prometer que “não se perderá um único cabelo das nossas cabeças” (Lc 21:18). E que “as suas ovelhas ouvem a sua voz, e ele as conhece, e elas o seguem; e ele lhes dá a Vida Eterna, e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará de sua mão” (João 10:27-28). E entregam-se à cômoda posição de se deixar conduzir pela vida, sem se esforçar ao máximo por empreender a reforma íntima indispensável à emersão nos planos superiores do espírito. Esquecem-se de que o versículo 26 do mesmo capítulo de João alerta-nos: “Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas”. Ou seja, podemos estar entre aqueles que não se interessam por seguir as pegadas do Salvador e a subir pelo Calvário da Redenção, de modo que deixaríamos de pertencer ao Seu rebanho.

Não sabemos ainda se somos ou não ovelhas do Divino Pastor, pois não nos vestimos até então com o sagrado manto da santidade. Se o seu aprisco representa toda a humanidade terrena, temos então motivos para nos alegrar, pois com certeza pertencemos ao seu rebanho. Mas ainda assim, o Redentor deixou-nos bem claro que, se não praticarmos a suas lições, não seremos chamados seus discípulos. “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no Reino dos Céus, mas somente aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos Céus” (Mt 7:21).

Costumamos dizer para nós mesmos que seremos salvos, pois não somos mais criminosos, não agredimos fisicamente a ninguém, não roubamos e temos feito continuado esforço para melhorar-nos. Ignoramos, no entanto, os enormes erros que ainda se consorciam aos baixos interesses do nosso ego, os quais permanecem ativos, estruturando e sustentando nossa mórbida personalidade. E, sobretudo, as motivações de nossos desejos seguem estritamente filiadas às aspirações da “grande Babilônia”. Algemados às paixões da “grande prostituta” e imantados, por vontade própria, às falsas riquezas da “besta”, custa-nos libertar das teias do AS, mesmo depois de frequentarmos por dois mil anos a escola reformatória do Evangelho. Nutridos por uma espécie de apatia evolutiva e acomodados em nossos desmandos, dormimos na ilusão de que não precisamos nos afadigar, convencidos de que teríamos toda a eternidade para progredir e a marcha dos milênios haverá de reconduzir-nos, automaticamente e sem grandes esforços, aos altiplanos do progresso. Apáticos e indiferentes, não nos empenhamos como convém a fazer morrer o doentio ego e a despertar em nós as adormecidas virtudes divinas. É para os acomodados, que a palavra do Apocalipse (3:15-16) dirige-se, ao afirmar categoricamente: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; oxalá foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és quente nem frio, vomitar-te-ei da minha boca”.

Outros, distraídos pelas posses e luxúrias da vida, passam ao léu, sem dar a atenção devida às profecias apocalípticas. A estes também o texto profético (3:17-21) alerta, dizendo: “Porquanto dizes: rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um coitado, e miserável, e pobre, e cego, e nu; aconselho-te que de mim compres ouro refinado no fogo, para que te enriqueças; e vestes brancas, para que te vistas, e não seja manifesta a vergonha da tua nudez; e colírio, a fim de ungires os teus olhos, para que vejas. Eu repreendo e castigo a todos quantos amo: sê pois zeloso, e arrepende-te. Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo. Ao que vencer, eu lhe concederei que se assente comigo no meu trono”.

Libertarmo-nos das multimilenárias amarras do AS muito nos exige, é bem verdade. A Lei e sua providência guarda, no entanto, seus limites e sua tolerância. Por isso, o Cristo excitou-nos com veemência ao necessário exercício da renúncia aos irrisórios bens do AS e às modificações de hábitos, necessários à grande aventura de desprendimento da alma: desfazer-se do pesado fardo da matéria e de seus irrisórios interesses.

A maioria de nós, na atualidade, acha-se estacionada na apatia moral – a “mornidão evolutiva”, poderíamos chamá-la. Apraz-nos habitar o castelo do ego, o qual não queremos deixar. Desfrutamos ao máximo nossos bens e comodidades, enquanto ao nosso derredor há choros e lamentos. Chafurdamo-nos no desperdício de toda sorte, ainda que a miséria grasse ao largo de nossos passos. A infelicidade do outro não nos importa, pois não a vemos como nossa também. Continuamos fazendo a guerra, ainda que no campo sutil da egolatria e dos interesses monetários. Nossas mesas estão fartas de vísceras dos nossos irmãos menores e refestelamo-nos nos prazeres da sexualidade sem lindes. “Não quereis o amor evangélico e só concordais numa coisa: na mentira, no egoísmo, no trair-vos todos uns aos outros? Pagareis todos juntos. A punição, realizá-la-eis vós mesmos, porque a trazeis em vós. Matar-vos-eis reciprocamente, porque a isso vos leva vosso próprio sistema. Quereis fazer do poder não uma função de vida e uma missão, mas um meio para esmagar indivíduos e povos? Fazei-o. Experimentai, experimentai. Sois livres. Assim vos massacrareis todos, mas, já que não sabeis aprender de outro modo, e é preciso aprender, ireis à dura escola que escolhestes” – adverte-nos a voz que inspira Ubaldi, em Profecias (pág. 266)2.

Faz-se-nos imprescindível, portanto, uma séria mudança de postura diante de nossas vidas, pois os “tempos são chegados” e a evolução urge. Se a palavra sagrada que ecoa dos séculos toca-nos a alma, então é hora de atirarmo-nos ao esforço de reforma de hábitos. Não deixemos escoar a areia do tempo sem doar à vida o nosso sincero empenho de alcançar o Reino de Deus. A Lei cobrar-nos-á atitudes de verdadeira reforma de valores morais. Acorramos a adquirir o “refinado ouro” do Evangelho e a vestir-nos com as “vestes nupciais” da elevada ética do amor, para então receber no imo a visita do Senhor, convocando-nos ao imperativo regresso à sua Morada Eterna.

CIDADÃOS DO SISTEMA – A NOVA JERUSALÉM

O Apocalipse, a despeito de seus fúnebres prenúncios e terríveis ameaças, termina com o glorioso retorno dos “justos” ao Reino de Deus e a incondicional vitória do S sobre o AS. Os eleitos, então, não passarão a viver em um mundo superior de relativa paz e felicidade nas pobres planícies do espaço-tempo, em nosso universo relativizado, como preconizado por alguns estudos. O vencedor será integrado no Absoluto, o plano divino. Fixado na perfeição impreterível de todos os valores possíveis, não lhe será mais possível movimento evolutivo algum, pois ao que já é perfeito nada mais se poderá agregar. O vencedor não se converterá em arquiteto de estrelas ou engenheiro sideral, amalgamando mundos na caduca e deteriorada matéria, no palco de uma evolução interminável. Não, em absoluto. O vencedor estacionará fora do tempo e do espaço e muito além das lamentáveis procelas cósmicas que imperam em nosso pobre universo, “a suntuosa construção de Satanás”, como já nos referimos.

Venha sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa. A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, donde jamais sairá; e escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e o nome da cidade do meu Deus, a Nova Jerusalém, que desce do céu, da parte do meu Deus, e também o meu novo nome. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” – diz-nos a voz do Cristo no Apocalipse (3:11-13). Entendemos aqui que “coluna no templo de meu Deus” é o significado exato da imobilidade plena que reina sobre as forças constitutivas do Mundo divino, onde não é possível qualquer movimento ou oscilação tal qual os conhecemos.

E continua a palavra profética, enchendo-nos de esperanças: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus“ (Ap. 2:7) – plenos de “Vida Eterna”, os escolhidos não experimentarão mais qualquer tipo de necessidade e não mais reencarnarão. Sustentados pelo verdadeiro amor, não conhecerão mais a fome ou a sede, eternamente saciados pela divina substância do amor. Não sofrerão mais a morte ou qualquer padecimento: “Ao que vencer, eu lhe concederei que se assente comigo no meu trono. Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem cairá sobre eles o sol, nem calor algum; Porque o Cordeiro que está no meio, diante do trono, os apascentará e os conduzirá às fontes das águas da vida; e Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima” (Ap. 3:21 e 7:16 e 17).

Libertos de qualquer tipo dos nossos conhecidos envoltórios orgânicos, ainda que energéticos, paramentar-se-ão como noivos, envoltos em puro substrato divino: “O que vencer será vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida; antes confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos” (Ap. 3:5).

E viverão, os novos cidadãos do S, em um eterno presente, sem passado e sem futuro, albergados no oceano divino, jungidos ao Pai, sem, no entanto, perderem a individualidade.

A “Jerusalém”, claro símbolo de nossa civilização, será enfim libertada das garras do AS e alcançará o Absoluto. João anteviu, sob os olhos da alma, a humanidade resgatada da Queda, simbolizada na gloriosa Nova Jerusalém, então “instalada” no Reino celestial: “E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já se foram o primeiro céu e a primeira terra, e o mar já não existe. E vi a santa cidade, a Nova Jerusalém, que descia do céu da parte de Deus, adereçada como uma noiva ataviada para o seu noivo. E ouvi uma grande voz, vinda do trono, que dizia: Eis que o tabernáculo de Deus está com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles” (Ap. 21:1-3).

Compreendemos, assim, que o mais glorioso dos símbolos apocalípticos, a “Nova Jerusalém”, é a mais explícita analogia da nova humanidade ressurreta, constituída pelos espíritos purificados que então deixam as penumbras do AS para integrarem-se à divina realidade do S. Aqui, a “Nova Jerusalém” antepõe-se com justeza à “grande Babilônia”, a carcomida civilização humana composta pelos espíritos caídos, confirmando-nos a clara simbologia apocalíptica. Extingue-se a “grande confusão”, ressuscita-se a “nova ordem”. A palavra de João exalta-se, ao descrever o nascimento dessa nova civilização do espírito puro, nos domínios do S, plenificando-nos de admiração: “E levou-me em espírito a um grande e alto monte, e mostrou-me a santa cidade de Jerusalém, que descia do céu da parte de Deus, tendo a glória de Deus; e o seu brilho era semelhante a uma pedra preciosíssima, como se fosse jaspe cristalino. (...) Nela não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro. A cidade não necessita nem do sol, nem da lua, para que nela resplandeçam, porém a glória de Deus a tem alumiado, e o Cordeiro é a sua lâmpada. As nações andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória. As suas portas não se fecharão de dia, e noite ali não haverá; e a ela trarão a glória e a honra das nações. E não entrará nela coisa alguma impura, nem o que pratica abominação ou mentira; mas somente os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” (Ap. 21:10-11, 22-27).

Finaliza-se então o Apocalipse com seu emocionante desfecho, demonstrando-nos o enorme esforço empreendido por João para traduzir em palavras humanas a excelsa mensagem do Cristo, estacionado no Absoluto: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o derradeiro, o princípio e o fim. Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestes no sangue do Cordeiro para que tenham direito à arvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas. Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os homicidas, os idólatras, e todo o que ama e pratica a mentira. Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas a favor das igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã. E o Espírito e a noiva dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem. E quem tem sede, venha; e quem quiser, receba de graça a água da vida” (Ap. 22:13-17).

Quem tem “ouvidos de ouvir” que silencie os desarmônicos ruídos de sua alma e ouça o que nos anunciam as peremptórias e altissonantes palavras do Apocalipse, abastecidas de verdades eternas. E siga, resoluto, os passos que Jesus nos indica, rumo ao glorioso porvir que nos aguarda na revoada dos séculos.

DANIEL E JOÃO EVANGELISTA 

Antes de encerrarmos essa pequena digressão em torno do palpitante tema do Apocalipse, recordamos que Daniel aferiu em suas visões exatamente o que João veio confirmar. Por exemplo, no capítulo 12, versículos 2 e 3 de seu livro podemos ler: “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno. Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que converterem a muitos para a justiça, como as estrelas sempre e eternamente”. Palavras que parecem retiradas da boca de João. Alguns dos símbolos utilizados no Apocalipse repetem-se em ambas os livros e são devidamente explicados nos relatos de Daniel. Curiosamente, a obra mediúnica Universo e Vida, de Hernani T. Sant’Anna, ditada pelo espírito Áureo e publicada pela FEB, afere-nos que Daniel é a prévia encarnação do mesmo João Evangelista. Informação que nos parece coerente pela semelhança das visões e até mesmo dos termos utilizados por Daniel e João. E como já nos anunciaram muitas vozes do Além, João Evangelista voltaria mais tarde, na Idade Média, como Francisco de Assis. Fechando o circuito dessas curiosas informações, ressalta-se o fato de que Daniel permaneceu na cova dos leões sem ser por eles devorado, demonstrando a mesma “amizade” pelas feras que caracterizou o doce Poverello de Assis.

Belo Horizonte, 15 de abril de 2012

Gilson Freire

Nota: agradeço a Rosane Fiuza pelo seu excelente trabalho de revisão ortográfica deste texto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1-     KARDEC, Allan. A Gênese. 17ª ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1975.

2-     UBALDI, Pietro, Profecias, 3ª ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1982.

3-     UBALDI, Pietro, Deus e Universo, 3ª ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1987.

4-     UBALDI, Pietro, O Sistema, 2ª ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1984.

5-     UBALDI, Pietro, Cristo, 2ª ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1985.

6-     UBALDI, Pietro, Comentários, 1ª ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1985.

7-     XAVIER, F C /Emmanuel, Renúncia, 30ª edição, 1ª parte, capítulo 1, página 13. Rio de Janeiro: FEB, 2002.

8-     XAVIER, FC/André Luiz, Entre a Terra e o Céu, 7ª edição, capítulo 33, página 213. Rio de Janeiro: FEB, 1980.

9-     A BÍBLIA. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1997.

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